FORMIDÁVEL APOLINÁRIO
“O Gênio de Apodi”
Não é de hoje, todavia já se
ouviu falar de seres humanos com mentes formidáveis, pelo mundo a fora. Foram,
ou são, homens cultos, cientistas, inventores e até cidadãos comuns com
raciocínios rápidos e acumuladores de informações descomunais. Mentes
fenomenais que se perpetuam na história pela importância que tiveram dentro do
seu meio intelectual e, ou, científico.
O Apodi foi contemplado com
desses raros possuidores de mentes extraordinária, o único, o inigualável, é o
que se pode comprovar, até o dia de hoje, não apareceu outro! Veio para a fama
o apodiense que logo tão cedo externou dotes intelectuais fora do comum, isso
num tempo em que pouquíssimos estudantes que despontavam nos estudos, na
capital, quebrando barreiras ao passarem no dificílimo vestibular da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, da área médica, como:
Francisco Câmara (Chiquinho de Joel), José Nilson Câmara (Zé Nilson de Josué) e
Getúlio Maia no curso de medicina; Nilson Guerra (filho do escritor Valter
Guerra) e Eronildes Tôrres, na odontologia, já este cursou em Manaus; Moésio
Holanda, medicina, Fortaleza e algum outro na universidade de agronomia, de
Mossoró e no curso de Direito, Natal e Ceará. Contavam-se nos dedos os filhos
de Apodi que estudavam fora para serem doutores, com canudos e anéis de
formatura. Orgulho para a família e para cidade, também.
Apolinário ou Paulinho como era
mais conhecido, nos anos setenta, do século XX, quando o Apodi era uma pequena
cidade tranquila e sem vislumbrar prosperidade, ele fez com que despertasse a
admiração ao elevar, conjuntamente com o seu sucesso, o nome da cidade
esquecida. Apodi deixou apenas de ser um ponto no mapa do Rio Grande do Norte,
pois se comentava por todos os cantos e se lia nos principais jornais
impressos: o gênio de Apodi, o superdotado de Apodi, mente prodígio, o
agricultor-gênio apodiense que não frequentou banco escolar...
É de se perguntar já que ele era
inteligente e porque não prosperou na vida, não chegou cursar uma faculdade,
não se formou em grau de doutor? A resposta é simples, porque ele mesmo viveu
no seu mundo cercado de rudeza. Apolinário teve suas origens na zona rural de
Apodi, no seio de uma simplória família carente, analfabetos, de agricultores e
conviveu no povoado sítio Boa Vista entre pares sem instruções e na extrema
ignorância. Talvez se encontre justificativa pela característica intrínseca de
ter sido temperamental e, de certo modo, considerado de incivilidade por
alguns, já por ter sido contundente em suas respostas insípidas quase sempre
subestimando os seus interlocutores por não encontrar sintonia com o seu
raciocínio. Não frequentou bancos
escolares, mas segundo o seu irmão Antônio de Carvalho (de apelido O Padre),
nos primeiros nove dias de sua vida escolar repudiou a escolinha de ensino
primário já por achar que a professora não sabia o suficiente, o que se
lecionava, ele, já sabia de tudo. Não encontrava ressonância para troca de
saberes à altura do seu intelecto. Apolinário abandonou desde então o ensino
oficial e continuou adquirindo seus conhecimentos, como autodidata, devorando
revistas, enciclopédias, livros e mais livros com leituras dinâmicas,
incansáveis. Tinha uma facilidade incomensurável de assimilar, captar e
explicar o que lia de forma extraordinária. Se distinguindo, logo cedo, dos
demais, contemporâneos seus. Apolinário era ávido por leituras, não podia ver
compêndios ao seu alcance que folheava e o lia ligeiramente, comprimindo os
olhos, semicerrados, como se estivesse procurando as letras e absorvendo em sua
mente o que se via nas linhas e nas entrelinhas. Apolinário nunca aprendeu a
escrever, redigir, corretamente o seu idioma pátrio. Uma de suas caraterísticas
era ler em voz alta gesticulando os lábios. Conta-nos o médico Francisco
Câmara, na época acadêmico de medicina, que certa noite, em Natal, na
Residência Universitária de Medicina, casa 8, da UFRN, quando o Apolinário
esteve acomodado como hóspede por lá, ao ver um volumoso livro de
traumatologia, de um colega, pegou-o e deteve-se a lê-lo varando a noite, ao
bater a capa do livro por ter lido por completo já sob a luz clara da
matina. O sábio de Apodi era tão viciado
em leitura que vez por outra aparecia no Posto Fiscal de Canto de Varas, da
Secretaria da Fazendo do Estado, tão somente, com o objetivo de passar a noite
a ler os últimos livros adquiridos pelo fiscal renda de plantão, o senhor
Carlos Freire; lembrou o senhor Toinho Monteiro em conversação sobre
Apolinário. Ainda sobre teste, submetido por autoridades da cidade, Apolinário
também passou pelo crivo do padre Pedro Neefs e do promotor de justiça Jarbas Martins quando lhe foi dado livro para se fazer a leitura com o intuito de
posterior interrogatório sobre o mesmo, fato que aconteceu se folheando
aleatoriamente páginas e, para cada pergunta se tinha resposta, Apolinário
comentava o assunto referendado deixando o pároco e promotor pasmados – ele
sabia de tudo! Memorizou o mano Haroldo
Ferreira de Sousa.
Como sempre, o “santo de casa não
faz milagre”, ou melhor, não recebia as merecidas considerações, na cidade com
a maioria da população composta por pessoas iletradas viam Apolinário como uma
pessoa de comportamento estranha e até como louco; já na minoria, como
superdotado; poucos eram os que o valoriza. O acadêmico de medicina de então,
Chiquinho de Joel, nos períodos de férias era frequentador, de toda tarde do
dia, da farmácia do senhor Holanda Cavalcante, homem este conhecido na cidade
por ter vastos conhecimentos, tanto sobre doenças, de remédios a medicar, como
da história em geral, um paramédico que gente estudada da cidade frequentava a
sua botica para salutares confabulações que envolvia um pouco de tudo. Assim, o
acadêmico de medicina, o escritor Valter de Brito Guerra e outras figuras
letradas se faziam presentes e lá, era ponto de encontro do admirável
Apolinário. Foi a partir daí, que se deu a descoberta das potencialidades de
Apolinário e o convencimento de persuadi-lo para ir a capital do Estado, onde
atingiu o auge por dar entrevistas e participar de debates respondendo
perguntas de conhecimentos gerais, na ponta da língua, inclusive, até sendo
recebido na residência oficial do governo do estado potiguar, pela primeira
dama, dona Aída Cortez. Tamanho era o prestígio de Apolinário que o até hoje, o
insuperável governador do Rio Grande do Norte, Cortez Pereira, persona culta,
que estava para além do seu tempo, também o admirava, inclusive, doou-lhe
“muitos livros que os quais ele conhecia o conteúdo de todos ”, ressaltou a
irmã Irene Maria de Carvalho.
No mesmo período do sucesso na
capital, em Mossoró, Apolinário também deu show de conhecimentos quando se
submeteu a participar de programa da emissora Rádio Rural de Mossoró, à uma
roda composta por homens intelectuais que lhe testava os seus conhecimentos e,
o gênio apodiense, aduzia com argumentos consistentes à bateria de questões. Do
mesmo modo em Natal, na Televisão Universitária, Programa Xeque-Mate, diante de
sábios e estudantes bem preparados do curso de jornalismo a inquiri-lo,
respondeu à todas perguntas de modo convincente e satisfatórias “não deixou de
responder uma pergunta”, pelo reconhecimento, como quem recebe troféu ao subir
ao pódio, não é que todos que se faziam presentes, o “aplaudiram de pé”, frisou
doutor Francisco Câmara. Apolinário fez o maior sucesso em Mossoró e em Natal,
mesmo sem ser cantor, ator e jogador de futebol, reconheceram e ovacionaram
àquela mente brilhante.
Hoje, quem sabe, por falta de
mentes portentosas a imprensa chega a batizar, indevidamente, até jogador de
futebol por – Fenômeno. Tal epíteto, de acordo com a sinonímia, cai
perfeitamente para o nosso saudoso – Apolinário, já pôr esse termo significar:
“fato de interesse científico e que pode tornar-se objeto de experiência ou de
estudo. Pessoa ou coisa que se faz notar por seu caráter anormal ou
surpreendente”. O Paulinho da Boa Vista, alcançou esses requisitos, pode-se
compará-lo com algo mais, pois foi o nosso primeiro computador humano em um
tempo em que não se ouvia falar de tal máquina, pois Apolinário era detentor de
uma memória invejável, como se diz no linguajar tecnológico de hoje, parecia
possuir chip com capacidade de vários gigabytes. Foi um verdadeiro armazenador
de sabedoria.
Outro dia, numa reunião matinal
de amigos assíduos, na calçada da residência de Adonias filho, Apodi centro,
presenciei Apolinário a fazer cálculos mirabolantes, de cabeça, com numerais
com casa dos milhares, baseado numa matéria científica de certa revista sobre a
calvície, de acordo com média mencionada e outros dados numéricos chegou a
calcular o número de cabelo de um ser humano normal, em questão de segundos.
Elaborava cálculos mentalmente com resultados precisos e rápidos que só se
faria, pessoas normais, usando da calculadora.
Surpreso com a elevada
inteligência, o repórter da Tribuna do Norte, para o qual Apolinário era
entrevistado (matéria publicada, 24.06.1973), em véspera dele participar do
programa Xeque-Mate, fez uma ressalva referente a uma pergunta capciosa, mal
formulada proposital (?), “Paulino é capaz de, sem nem usar a ponta do lápis,
fazer potências e frações, raiz quadrada, etc. No momento em que dava esta
reportagem um dos presentes solicitou para que ele elevasse 5 a sétima
potência. Pois muito bem não elevou, como continuando com a conversa, sentiu
que a potência elevada não corresponde a sétima, e sim a oitava depois de
entrar noutro assunto totalmente diferente”. Assim o sábio agricultor se saia
categoricamente de situações inesperadas lhe impostas propositalmente ou não.
Reformulando as perguntas errôneas e respondendo-as sem se titubear. Pela sua
cultura e inteligência, ainda o repórter diz, “calcula-se que o ‘QI’ dele seja
um dos mais elevados e tendo participado de um teste psicológico na UFRN com
duração 4 horas.”
Vez por outra, se via-o a
perambular pelas redondezas de Apodi, a pé, feito retirante solitário, com
chapéu de palha e só com a roupa do corpo. Percorria por estradas e veredas
visitando fazendeiros e demais sitiantes, se auto convidando às refeições, como
também, para pernoitar. Apolinário gostava de uma rede, embora desapegado da
higiene diária contemplava-se com a prática do ócio, sem sombra de dúvida foi
um adepto contumaz da filosofia aristotélica.
Apolinário Ferreira de Carvalho,
nasceu no sítio Boa Vista município de Apodi em vinte e três de julho de mil
novecentos e trinta e um, era filho de Vicente Ferreira de Carvalho e Maria
Angélica da Silveira. Faleceu em seis de fevereiro de dois mil e onze com
oitenta anos de idade, vitimado pela mazela do câncer prostático. Com o seu
desaparecimento no meio de nós, perdeu-se um apodiense que fez registro
histórico nos anais da imprensa escrita e televisiva norte-rio-grandense,
foi-se também uma mente de talento.
O gênio de Apodi jaz, juntos aos
restos mortais dos seus pais, em uma cova modesta no cemitério do povoado
Malhada Vermelha, zona rural de Severiano Melo-RN.
Nesse exato momento, cumprindo
etapas em outra dimensão, livre das doenças sem curas... espera-se que o tenha
redimido de suas posições ateístas, assim sendo, quiçá esteja vagueando como um
bom samaritano por todos os recantos do céu, como bem ele gostava de fazer por
estas bandas das terras, daqui.
Natal, 19/12/15.
Nuremberg Ferreira de Sousa