sábado, 12 de novembro de 2011

"A igreja católica não é democrática"

Carlos Skarlack


“A Igreja Católica não é democrática”. Se extraída de alguma obra literária, a assertiva remeteria a uma das partes da Trilogia A Busca do Graal, do inglês Bernard Cornwell: o Herege. Ou se proferida, por alguém de outra doutrina ou linha de pensamento contrário, ou diferente do credo ou sistema católico, o mesmo até poderia ser perfilado como autor de uma heresia, como formularia Georges Duby . Todavia, expressa por uma das mais respeitadas lideranças do catolicismo de Mossoró – quiçá do Rio Grande do Norte -, como o é, o padre Sátiro Calvanti Dantas, no mínimo, está fadada a provocar uma grande polêmica. Pois, é isto que pensa o padre Sátiro Cavalcanti, sobre a denominação a qual tem dedicado toda sua vida. A definição foi feita, nesta entrevista especial ao CORREIO DA TARDE.

CORREIO DA TARDE - Padre Sátiro Cavalcanti Dantas, como está o processo de cobrança de mensalidades escolares da rede privada em Mossoró?

PADRE SÁTIRO DAVALCANTI - Hoje a definição de planilhas, cobranças e outras questões são de responsabilidade de cada escola, que apresenta a planilha diretamente aos pais dos alunos.

A palavra cartel, assim é terminantemente descartada.

Hoje é muito difícil usar a palavra cartel para definir as mensalidades das escolas particulares, pois cada colégio tem suas necessidades avaliadas internamente. Tudo isso feito com acompanhamento do Ministério Público, a quem temos que apresentar todos os contratos.

Existe uma reclamação contra a Medida Provisória que rege o setor?

Infelizmente é uma Medida Provisória que vem da época do governo do ex-presidente de Itamar Franco e o Congresso Nacional não tem coragem de votar uma outra atualizando, pois atinge a classe média e os senhores parlamentares não querem perder votos.

Isto é prejudicial para as escolas privadas?

Essa Medida Provisória em vigor deixa as escolares particulares de mãos atadas sobre a cobrança das mensalidades. As escolas, mesmo com um alto nível de inadimplência, não podem cobrar; não podem suspender provas nem adotar outras providências. Para se ter uma idéia de nossa dificuldade, ao aluno cujos pais pagaram apenas a matrícula e chega ao final do ano sem quitar nenhuma mensalidade, a única arma que o colégio tem é não renovar a matrícula do mesmo.

Isso resolveria o problema?

Não. Mesmo nessa situação a direção da escola ainda assim tem que liberar a transferência de graça. E infelizmente alguns pais se baseiam nessa medida; alguns ficam até rodando de colégio em colégio para não pagar as mensalidades devidas. E o que é pior, os estabelecimentos de ensino nada podem fazer para receber o que lhes é de direito.

Qual o índice de inadimplência na rede privada de ensino em Mossoró na atualidade?

É uma média de 40% de inadimplência neste mês de novembro. Pelo menos aqui no Colégio Diocesano Santa Luzia.

O que as escolas particulares tem feito buscando solucionar o problema?

Este ano passamos a cobrança para os bancos pensando que iria melhorar. Mas não houve muita diferençam não.

As escolas contam com suas obrigações...

Isso é uma realidade que os pais precisam ver. O Colégio Diocesano não é uma família que está investindo nela mesma. O Colégio Diocesano tem obrigações. Por exemplo, a própria Diocese não usufrui dos bens do estabelecimento, mas tem sua taxa mensal.

Por falar na Diocese, como se procede à sucessão do colégio e dos órgãos paroquiais?

Olha a Igreja Católica não é democrática. Participa e defende a democracia, mas a Igreja Católica não é democrática. Todas as atitudes, suas resoluções finais dependem de certa maneira do Papa ou do Bispo.

Como assim?

Na Igreja Católica se tem os Conselhos; em termos locais o bispo até ouve, mas não está obrigado a seguir as orientações nas questões que esses Conselhos colocam. Por exemplo, quando existe a nomeação dos dirigentes de colégios, de faculdades e outros setores, é tudo ad nutun, ou seja: é conforme a vontade, ao arbítrio do bispo. O bispo nomeia, e até quando ele achar conveniente.

O senhor que está há muitos anos no comando do Colégio Diocesano Santa Luzia, o que pensa sobre o futuro da instituição?

No caso do Colégio do Diocesano Santa Luzia eu acho que já está no tempo mudar. A Igreja Católica, mesmo que esteja aí já com 265 papas, sempre tem mudado de comando. E está de pé, mesmo com tantas mudanças no comando. Então, é hora de mudar, e aqui também deve mudar.

Então teremos mudança no comando do Colégio Diocesano?

Agora mesmo nós temos cinco padres em Roma. E desses cinco o bispo vai orientar um para a direção do Colégio Diocesano. Ou até já os orientou para a sucessão do Colégio Diocesano e a Faculdade Diocesana que está apenas com o curso de Teologia.

Não deveria haver um maior investimento na Faculdade de Teologia?

Particularmente eu acho que é inconcebível tanto esforço para instalarmos essa Faculdade de Teologia para termos só um curso. A Faculdade de Teologia comporta outros, mas temos aí só o Curso de Filosofia.

Existem condições para a implantação de outros cursos?

A Faculdade de Teologia tem plenas condições de oferecer outros cursos, a partir das instalações físicas. Por exemplo, o curso de Psicologia, de Filosofia e até de Comunicação Social.

Este é um momento propício já que a cidade tem recebido várias Faculdades, não?

Por fala nisso, o que temos aí é uma gama de cursos que estão chegando a Mossoró. Uns alugando salas e dando nome de Faculdade. É Faculdade disso e daquilo. Muitas sem as devidas condições.

Que avaliação o senhor faz do funcionamento da Igreja Católica?

Começo pelo passado. As comunidades escolhiam seus bispos. Como exemplo, lembro que Santo Agostinho, Ambrosino e outros foram aclamados por suas comunidades. O Santo Agostinho foi aclamado com 34 anos. Não era homem de igreja. Quem era da igreja era a mãe dele. Ele, procurando a verdade na Filosofia, encontrou na Bíblia, e em pouco tempo o povo o aclamou. Naquela época os bispos eram aclamados pelo povo. Hoje não. É o próprio Papa; aí, nas comunidades os padres nas Dioceses são nomeados pelos Bispos.

Esse processo é prejudicial ao funcionamento da igreja?

Isso prejudica a Igreja Católica sim, pois não existe a participação direta da comunidade como no cristianismo inicial se praticava. Ora, se a Igreja Católica exige tanta democracia; se quer um espírito democrático, porque na parte da administração eclesiástica fica tudo a cargo do bispo, no caso da igreja particular que é a Diocese?

O senhor discorda do processo atual da escolha dos bispos?

Manda-se para Roma uma lista aprovada, não pela Diocese, mas por uma Nunciatura. São três nomes. Mas, ora, nessa lista já não vai uma sinalização de quem se deseja? E o papa nomeia o Bispo daquela igreja numa nomeação direta.

O senhor já chegou a ser consultado sobre a escolha de algum bispo?

Eu recebi anos atrás, umas consultas sobre alguém que poderia ter condições de ser bispo. E eu indiquei alguns nomes. Desses nomes só acertei um.

O que o senhor defende, então?

O que penso é que se o bispo diocesano fosse escolhido pelo clero e pelo povo, teria esse aspecto democrático. Talvez ferisse essa linha monárquica, pois a Igreja Católica ela é monárquica. Sei que a é Igreja Católica não é democrática.

Mas tem quem defenda essa falta de democracia que o senhor aponta.

Para muitos pensadores essa linha que está aí, faz com que igreja mantenha a unidade e que tenha resistido a tantas reformas e heresias enfrentadas e, que tenha vencido apesar de nós padres que somos relapsos, e hoje ela seja uma das instituições mais antigas.

O senhor disse no início da entrevista que já é ora de mudanças no comando do Colégio Diocesano Santa Luzia e na Faculdade Diocesana. Então, está preparado para deixar esses cargos que ocupa há algum tempo?

Sem dúvida nenhuma estou preparado e com o coração aberto para aquele que vier a ser indicado para me substituir.

O senhor poderia indicar alguém?

Não vou indicar nomes, pois tudo depende da última palavra que é do bispo. Mas, considero que temos pessoas preparadas, da mesma forma como tivemos para substituir padre Américo Simonetti. Muita gente até pensava que tudo ia acabar, mas a igreja é assim, sempre vem outro e comigo não será diferente. Afinal, a igreja é de Jesus, e ele disse "Eu estarei convosco até a consumação dos séculos". E você como um bom evangélico, sabe muito bem disso, não precisa eu lhe explicar que você sabe.

Como o senhor acompanha uma série de denúncias contra líderes religiosos da Igreja Católica em algumas partes do mundo?

Se alguém cometeu erro é por ser humano. E toda igreja é feita por pecadores. Mas Jesus disse: Eu estarei convosco e mandarei o Meu Espírito. Aliás, como evangélico, e dos bons, você sabe que esse problema é humano e bíblico.

O senhor já pensa no futuro de instituições como a Funsern, a FM Santa Clara, o Mosteiro e outros organismos que comanda?

Já estou pensando seriamente até mesmo em reformular o Estatuto da Funsern, pois é muito rígido. Penso no futuro, claro, pois eu não nasci para semente, e já ta hora de certa mudança do estatuto onde existe uma assembléia. Vai depender dessa assembléia que hoje é o peso principal.

O senhor pretende efetuar algumas mudanças?

Eu pretendo dentro de seis meses fazer uma mudança para que com minha morte a instituição não morra. Que continue com suas propriedades e continue seu trabalho.

Como ex-presidente do Conselho Estadual de Educação como o senhor avalia o nível do nosso ensino atualmente?

Eu passei 12 anos no Conselho Estadual de Educação. Lembro que eu ia a Natal toda quarta-feira. Fui presidente do Conselho cinco vezes. Fazíamos seminários regionais com vários outros Conselhos Estaduais participando. Colocamos a revista do Conselho em dia. Os membros eram homens imbuídos de trabalho, e tínhamos influência. Dávamos parecer sobre o próprio ensino primário. Hoje não vemos mais a participação do Conselho Estadual de Educação em nada. No meu tempo o Conselho era exigente para se instalar uma escola; era feita uma ou mais visitas e existia supervisão. E eram cumpridas as exigências.

Hoje não existe mais esse rigor do Conselho Estadual de Educação na hora de se instalar uma nova escola?

Hoje o que existe é um relaxamento. Atualmente, em toda cidade se abre uma casa, bota um ar condicionado e diz que é uma escola.

Em Mossoró existem casos desse tipo?

Claro. Aqui em Mossoró, a cidade está sendo poluída de Faculdade de fim de semana. Algumas inclusive com Pós-Graduação disso e daquilo.

Mas temos instituições sérias?

Hoje, temos cinco universidades. Tem a nossa UERN; a UFERSA e a Escola Técnica Federal; temos particulares a Mater Christi e a UnP.

Faz-se necessário o aumento de Faculdades, mas com qualidade, não?

Essa é a verdade. Por exemplo, o que assistimos foi um grande crescimento da Uern, graças ao professor Walter Fonseca, que teve a coragem de na marra, espalhar a Uern que era mais aqui com o Campus de Mossoró e os Campi Assu, Patu e Pau dos Ferros. E a instituição precisa continuar crescendo, contanto que tenha qualidade.

Como o senhor avalia o nível do nosso ensino?

Quanto a qualidade sabemos que existe uma perda, uma queda na qualidade. O próprio professor formado sente um vazio pedagógico. Quanto ao nível do alunado podemos dizer que no passado ele era mais bem formado; melhor preparado, com menos conteúdo e mais profundidade. Hoje se tem menos conteúdo e mais superficialidade.

Os alunos estão prejudicados, em sua opinião?

Existe um grande prejuízo sim. Você veja que um aluno fazendo Pedagogia; um aluno tendo aula todo dia, como não é o nível de aprendizado dele. Agora, imagine um aluno que apenas vai aos sábados, aí recebe uma apostilha, numa dessas casas emprestadas, e ao final recebe um diploma dessa Faculdade.

Cite um caso concreto.

Um caso concreto é o Exame de Ordem da OAB. Por que tanta reprovação da OAB? As Faculdades não estão cumprindo seu papel. Não está havendo seriedade. Os alunos não estão preparados. É tanto que houve esse questionamento contra a OAB

Também está existindo questionamentos contra o ENEM...

Eu sou favorável ao ENEM. Mas, se não tiver cuidado o Enem vai ser uma caixa de corrupção. Se não houve uma fiscalização séria, vai virar corrupção.

O senhor acredita que os problemas do ENEM possam ser contornados?

Eu tenho esperança de que o Governo Federal vai encontrar uma forma para que se tenha um espelho do ensino no Brasil.

Como um dos fundadores da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) como o senhor avalia a atual condição da instituição?

Na greve geral da instituição, eu que sou um péssimo twiteiro; no coração da greve eu dei várias opiniões. E a opinião mais certa foi à seguinte: Senhor reitor, que é o líder, se reúna com suas lideranças dos professores, funcionários e alunos. Se reúna com eles e convoquem, marquem uma audiência, um encontro pessoal com a senhora governadora Rosalba Ciarlini. E que ela vá pessoalmente, levando seus assessores e conversem. Nada de papel pra lá, papel pra cá que isso não resolve nada. Foi o melhor conselho que dei.

Como acompanha os entendimentos entre Uern e Governo?

Se houver algum prejuízo para a Uern, e eu frisei isso, o prejuízo será do Estado também, já que a Universidade é do Estado. A Uern não é instituição privada, e por isso, se ela tiver prejuízo o Estado terá prejuízo.

O senhor é um defensor do diálogo?

Sou e falo isso com experiência própria. Na histórica crise entre o então prefeito Dix-huit Rodado e o doutor Laplace Rosado, eu assumi a responsabilidade de reordenar a situação na Uern. Eu lembro que encontrei a Uern com sete meses de atraso de salários; com telefones em atraso, e de vagar, conversando, chegamos aquele grande plano que foi o ápice da estadualização.

Ali houve uma grande mobilização da comunidade mossoroense como um todo...

Nunca mais vi um movimento mossoroense, com total engajamento como o que houve pela estadualização da Uern. Ali participaram as igrejas, os clubes de serviços, a maçonaria, a indústria, o comércio a classe política; todos se uniram e foi tão brilhante, que nunca mais vi aquela união em Mossoró.

O senhor tem acompanhado o governo Rosalba Ciarlini?

Por enquanto, a bem da verdade, não tive condição de ter um acompanhamento da administração. Acompanhei parte da crise, das mudanças. Mas quase exclusivamente baseado na imprensa; na favorável e na contrária.

Vem aí mais uma eleição municipal em que escolheremos o prefeito ou prefeita da cidade. O senhor acredita em mudança de cenário?

Tenho impressão que ainda é cedo, apesar dos prazos que avançam. Mas, como eu dizia sempre a Nilo Santos. Assim como você, Nilo gostava dessas matérias polêmicas. Eu dizia que daqui há 40 anos não deveríamos ter preocupações pois o comando de Mossoró estaria ocupado.

Mas já se passaram alguns anos desse período dos quarenta...

Vamos ao histórico. Quando criamos a Uern, havia um grupo de idealistas. E um dos pensamentos era tirar Mossoró das mãos de uma família...

O senhor se refere a família Rosado...

É (pausa para risos)... mas, infelizmente, aquele grupo se viu nas mãos e foi instrumento da confirmação da presença dessa família na instituição. E atualmente, pelo esquema, pelos movimentos que assistimos na cidade, ainda não vai ser agora a mudança. Estamos noutro tempo; temos partidos mais fortes, inclusive um que pode influenciar pois ocupa o Governo no plano Federal (PT), mas acho que ainda não haverá mudança. Acho que ainda é muito cedo para dizer que haverá uma mudança total.

Esse tempo está próximo?

Eu acho que ainda não será nesse período que haverá mudança totalmente. O que é mudança total? Mudança completa de nomes de família.

Por falar em mudança, o senhor chegou a ser convidado, em algum momento, a entrar na disputa eleitoral ?

Houve uma época em que houve convites. Eu mesmo fui convidado a ser candidato, quando lançaram a candidatura de Dx-huit. Padre Américo (Simonetti) também foi convidado, mas dissemos que nosso trabalho era na igreja. Atualmente existe uma febre em procurar os padres para a política está diminuindo.

Qual a sua opinião sobre a participação de líderes religiosos nas disputas eleitorais?

Que se tenha homens fé, cristãos, evangélicos, católicos, que exerçam a política partidária na profissão e, não os padres, que teriam que sair de seu trabalho paroquial. A política é uma das funções da fé. Uma delas é o político viver a sua fé, suas atitudes, a defesa dos excluídos, na defesa de seus concidadãos. Mas por outro lado, há um ponto que alguém dirá negativo, a não-presença de sacerdotes no Congresso, embora já exista um bom número de evangélicos.

O que senhor ainda espera do governo Fafá Rosado que vai entrar para o seu último ano?

Olhe desejaria, e disse isso a ela em uma missa. Aliás, aqui no Colégio Diocesano Santa Luzia tem a palmeira imperial que é homenagem a ela que é primeira e única ex-aluna que chegou ao cargo de prefeita de Mossoró. Ela que foi catequizada na paróquia de São Vicente. Tem um laço muito estreito com a família dela, entre mim e a família de dona Odete e de seu Dix-neuf Rosado e todos os seus filhos.

O que o senhor disse para a prefeita Fafá Rosado?

Disse a ela que deixe a Prefeitura de Mossoró com a periferia com escola, posto de saúde e moradia. Vamos acabar com esse negócio de que Mossoró é só o centro. Mossoró não é só o centro, a Praça Vigário Antônio Joaquim e a Praça Rodolfo Fernandes. A Mossoró grande chama-se periferia e é lá que se precisa, pois é onde estão o mais necessitados. A creche, o posto de saúde, a escola e a moradia. É isso que peço a nossa prefeita Fafá Rosado.

0 comentários:

Blog do Prof. Ozamir Lima - Designer: Segundo Freitas