domingo, 27 de maio de 2012

Ciência de ponta feita no RN

Marco Carvalho - repórter

O Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe/UFRN) vem se destacando em pesquisas realizadas e no seu quadro de servidores. Com um ano de inauguração recém completado, o ICe agora conta com o trabalho do professor Sandro José de Souza. Coordenador do projeto Genoma Humano do Câncer, Souza está na vanguarda do país em estudos relativos à bioinformática no Brasil. Área que envolve a biologia, medicina e informática, a bioinformática auxilia a leitura do genoma (DNA). A interpretação das "três bilhões de letrinhas" que formam um DNA, como Souza costuma explicar didaticamente, pode e já está trazendo diversos benefícios práticos. Segundo ele, em breve os médicos passarão a examinar o paciente prevendo a sua suscetibilidade para cada tipo de doença e tratamento. A bioinformática não está apenas relacionada à saúde, mas também outras áreas do conhecimento como agricultura, pecuária e biodiversidade.

Alex RégisSandro José de Souza, Professor e pesquisador do Instituto do Cérebro - UFRN: Da mesma forma que um médico faz uso de dados clínicos ou usa dados de um teste de hemograma, ele vai usar também a informação genética.Sandro José de Souza, Professor e pesquisador do Instituto do Cérebro - UFRN: Da mesma forma que um médico faz uso de dados clínicos ou usa dados de um teste de hemograma, ele vai usar também a informação genética.

Há pouco mais de um mês em Natal, o professor que possui pós-doutorado na universidade americana de Harvard concedeu entrevista à TRIBUNA DO NORTE. Para Sandro José de Souza, o Nordeste, e principalmente Natal, possui grande potencial para pesquisas e atuações práticas nessa área. Para isso, tem que ser superado o gargalo da bioinformática na região: a falta de profissionais qualificados. Confira a seguir a entrevista com o professor:

O que é a bioinformática e que importância ela assume hoje no contexto científico?

A bioinformática é a interface entre a biologia e a medicina com a área da computação. É a utilização de ferramentes computacionais para se entender melhor a biologia e a medicina. O termo é relativamente novo, começou a ser usado em 1990. Foi nessa época que teve início o projeto Genoma Humano. Com o volume de dados que eram gerados, surgiu a necessidade de se ter programas de computação para análise de todos os dados; não dava mais para ser feito manualmente. Hoje em dia, a bioinformática é um dos pilares de todas as ciências da vida e também um dos pilares da indústria da biotecnologia, que é uma das indústrias que mais cresce no mundo. Por que isso? Houve um grande desenvolvimento nas tecnologias de sequenciamento de DNA. O projeto Genoma Humano terminou em 2001 e custou 3 bilhões de dólares. Hoje, 10 anos depois, você faz a mesma coisa por menos de 3 mil dólares. Com a maior disponibilidade das tecnologias de sequenciamento, já temos milhares de genomas humanos sequenciados. Há 10 anos, havia dois. 

O que significa o "sequenciamento de genoma"? 

Significa conhecer o código genético da pessoa. Todos nós temos uma sequência genética. O genoma humano tem três bilhões dessas letras: A, C, T e G. Tudo na nossa vida, características, são influenciadas por dois fatores: a genética e o ambiente. Um dos desafios da comunidade científica hoje é descobrir qual o peso da genética em várias características das pessoas, como propensão a doenças. Então, se eu sei que tenho uma maior propensão a ter um ataque cardíaco, e isso dá para saber olhando para o genoma, vou mudar meus hábitos, vou ao médico com uma freqüência maior. Várias outras características estão relacionadas à genética.

Essa interpretação do genoma já acontece?

Poderia citar um exemplo: câncer de mama. Um dos fatores que é muito importante no diagnóstico desse tipo de câncer é o histórico familiar. Então, se uma jovem tem um histórica familiar de câncer de mama, hoje há testes genéticos que permitem dizer se existe um problema com aquela jovem. Isso é tão preditivo que muitas jovens fazem a mastectomia sem ter o câncer. A jovem opta por isso porque as chances de ter um tumor, que era de quase 100%, cai para praticamente zero. O que vai acontecer muito provavelmente em poucos anos? Da mesma forma que um médico faz uso de dados clínicos ou usa dados de um teste de hemograma, ele vai usar também a informação genética. Um outro caso que ilustra bem isso: para alguns tipos de tumor hoje, sabe-se que, se o paciente tem determinada alteração genética, determinado remédio não vai funcionar. Existe uma droga que ela é anticoagulante, que é muito importante quando você chegar em um hospital com suspeita de AVC, embolismo. Dependendo da sua genética, muda a dose do anticoagulante. Uma dose padrão pode não funcionar tão bem. Daqueles três bilhões de letrinhas que eu falei, é uma letrinha que vai dizer que vai dizer se você precisa tomar X daquela droga ou Y. 

Como o Brasil se encontra hoje na questão da bioinformática?

A bioinformática é o principal gargalo para o progresso das áreas de biologia e medicina. Digo isso porque existem poucos profissionais no mundo inteiro. E não é diferente no Brasil. A formação do bioinformata é muito ampla, precisa saber de computação, biologia, medicina. Especificamente no Brasil, a situação também é problemática, apesar de estarmos relativamente bem posicionados, comparados com aos vizinhos latino-americanos. Esse gargalo tende a piorar a partir do momento que todas essas tecnologias de sequenciamento de DNA passam a ser usadas de forma mais corriqueira. Hoje, já há máquinas de sequenciamento nos principais hospitais de São Paulo. A tendência é que isso se expanda e o gargalo piore. Precisamos investir bastante. 

Outras áreas além da medicina e biologia são influenciados pela bioinformática? 

As pesquisas valem para qualquer ser vivo. Se a gente sequencia o genoma das plantas e procura por características como resistência a seca, produtividade, existe um componente genético fortíssimo em tudo isso. Uma outra área que tem muito importância para o país é o biocombustível. Posso citar uma aplicação bastante concreta: uma questão crítica do biocombustível é degradar a biomassa que é produzida. Para essa degradação, há a necessidade de enzimas específicas. Existe na natureza vários organismos que degradam essa biomassa. Então, com o sequenciamento do genoma desses organismos, iremos procurar por essas enzimas que vão degradar a biomassa. Porque aí você produzir essas enzimas. Não há limite para essas tecnologias.

Que tipo de trabalho o senhor desenvolverá no Instituto do Cérebro?

Um dos objetivos é fortalecer essa área de bioinformática em Natal. No Nordeste existe um potencial muito grande para a bioinformática e, principalmente, em Natal. De maneira geral, a computação é muito forte no Nordeste. Você tem excelentes profissionais. Existem também excelentes grupos trabalhando em biologia, em medicina. Então, existe um potencial muito grande para ser desenvolvido. A bioinformática tem uma característica muito interessante que é a questão de infraestrutura, muito simples. Hoje em dia, os computadores estão baratos e se consegue montar uma estrutura boa com poucos recursos. Uma das ideias é fortalecer a bioinformática aqui no Nordeste, principalmente em questão de formações de recursos humanos. Natal tem todas as condições de se tornar uma referência em bioinformática para o Brasil e contribuir para a formação de recursos humanos. 

Outro objetivo diz respeito à relação com a neurociência. A bioinformática e a genômica são pilares de várias áreas, e neurociência não fica atrás disso. Um dos objetivos é fortalecer essa iniciativa toda de neurociências com um tipo de expertise que o grupo não tinha, e que agora o grupo tem. Acredito que esse expertise que minha vinda trás, vai contribuir de imediato para vários projetos em andamento. As perspectivas são fantásticas para o instituto como um todo e para mim, pessoalmente, como pesquisador. 

Como o Instituto do Cérebro é visto no Brasil?

Há uma reputação excelente não só no Brasil, mas no exterior também. Desde que fiz o concurso tive a oportunidade conversar com vários colaboradores internacionais e todos tem acompanhado o crescimento do Instituto do Cérebro com muito interesse. Principalmente pela qualidade dos profissionais que estão envolvidos, isso traz uma imagem para cá que não tem preço. Vejo muitos jovens pesquisadores com muito interesse em entrar aqui. A coisa está caminhando para uma instituição muito forte e com muito respeito. 

Como a sociedade passou a encarar a pesquisa que tem repercussão mundial?

A sociedade passou a ter uma percepção diferente após a aparição da palavra genoma. Im ponto muito importante é que a sociedade de maneira geral está carente de informações de qualidade. Uma função absolutamente crucial de um cientista é passar uma informação de qualidade para a sociedade.  Quase a totalidade da pesquisa feita no brasil é paga com dinheiro público, então pesquisadores precisam mostrar,  para quem está pagando, a importância disso. Precisamos mostrar que os investimentos são absolutamente cruciais para o país deslanchar. O sucesso de alguns daqueles projetos fez os cientistas perceberem que dá para ser competitivo. Às vezes a gente tem aquela sensação de que aqui no Brasil não daria para competir de igual para igual. O sucesso mostrou que dava para ser competitivo na fronteira do conhecimento e isso serviu para acordar a sociedade científica, que hoje é muito mais agressiva.

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