O Papa e o meteoro, por Cristovam Buarque
Ao mesmo tempo em que
em Roma o Papa Benedito XVI renunciava ao seu pontificado, na Sibéria caia um
meteoro. A renúncia foi um destes fatos que nos surpreende com o passado. E a
queda do meteoro desperta temor no futuro. São temores que nos fazem sonhar com
notícias que nos surpreendam ao longo da vida futura.
Sonho em ler notícia de
que a economia é orientada para a redução da pobreza e a construção da
igualdade social, com respeito ao equilíbrio ecológico; que o consumo está
subordinado ao bem estar, e este à felicidade das pessoas.
Sonho em ler a
informação de que todas as crianças do mundo estão em escolas com a mesma alta
qualidade, e nenhum pai ou mãe no analfabetismo; que a corrupção passou a ser
tema limitado a estudo nos cursos de História; e que todos os políticos são
comprometidos com utopias, propondo ações para todo o planeta e as próximas
gerações.
Gostaria de ver que os
principais recursos da Terra passaram a ser regidos por normas do interesse de
toda a humanidade e que a água do mar pode ser dessalinizada a baixo custo
energético e com a mesma qualidade da água potável.
Será muito bom saber
que todos os políticos eleitos usam os mesmos serviços públicos de seus
eleitores; ter a surpresa de ver os mapas-múndi sem fronteiras separando
países, todos integrados em uma mesma comunidade de seres humanos, com os
mesmos compartilhados sonhos, e saber da desativação da última arma e do último
reator nuclear.
Será muito bom saber
que os porta-aviões seriam usados apenas para fins turísticos e os bombardeiros
para viagens de jovens pelo mundo.
Espero me surpreender
ao saber da notícia da cura definitiva de todas as formas de câncer; da
recuperação ou o atendimento daqueles que têm deficiências; da previsão e cura
do mal de Alzheimer; e do envelhecimento sem a perda do vigor, nem da saúde,
nem da memória do passado ou dos sonhos para o futuro.
Gostaria de ver
publicidade de chocolate descafeínado, wisky sem álcool, massa que engorda, sal
que não eleva pressão arterial. No esporte, quero ver um jogador de futebol
ainda melhor do que Pelé.
Sonho ver com
deslumbrada surpresa a descida do primeiro homem ou mulher em Marte; quero que
ainda em minha vida a ciência seja capaz de criar chips injetáveis no cérebro
para fazer cada pessoa ler, entender e falar qualquer idioma; quero usar
aeroportos sabendo que não há polícia de fronteira, nem revista ou demora na
espera.
Sonho com acordo dos
líderes mundiais para desativar o meteoro que explode dentro da civilização
industrial, desigualando a sociedade e depredando a natureza.
Ver a notícia de que a
tecnologia espacial já dispõe do poder de destruir asteróides a caminho da
Terra, garantindo, assim, que a humanidade não terá o destino dos dinossauros e
que terá milênios para continuar com boas surpresas, como a de um Papa com
dignidade suficiente para abrir mão de seu cargo, nos provocando a lembrar as
surpresas do passado e a desejar imaginar sonhos para o futuro.
Cristovam Buarque é
professor da UnB e senador pelo PDT-DF.
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