sábado, 2 de fevereiro de 2013

MOACIR LUCENA, MISSIONÁRIO EDUCADOR NO APODI


Recebo via e-mail e publico,texto escrito pelo apodiense Nuremberg Ferreira de Souza(Nurim) sobre o professor Moacir Lucena no período em que foi mestre em Apodi.


MOACIR LUCENA, MISSIONÁRIO EDUCADOR NO APODI


Sempre fui curioso. Quando criança,sentia-me ávido de curiosidade pela história do Apodi. Gostava de ouviros mais velhos narrar o que aconteceranesse município. O passado do Apodi me fascinava. Tive o privilégio de morar no centro da cidade. Na vizinhança, havia dois pontos de encontro que, para mim, eram muito importantes: a velha casa das irmãs Lúcio e Casa Paroquial. Nelas, eu participava de reuniões. Na praça, nas esquinas das ruas, no patamar da Igreja Matriz, em aglomerados de senhores e jovens estudantes, ouvia, com atenção, até altas horas da noite, de tudo um pouco, desde narrativas cômicas populares até assuntos sérios de autoridades. Nesses ambientes, sabia-se do passado e do presente.
Na velha casa de Cotó Lúcio, que tinha sido, outrora, o prédio da Estação do Telégrafo, realizava-se, todo santo dia, encontro de senhores de idade e amigos daquela família para matar o tempo,jogando carteado, sem apostas. Guardo lembranças dessa época, embora um tanto vaga. Nesse ambiente, falava-se sobre personagens importantes do passado do Apodi. Uma delas: Moacir Lucena.
Moacir Lucena faz parte da história apodiense como o missionário da educação, pioneiro no emprego do método de ensino conhecido, hoje, como o de Paulo Freire. No centenário de nascimento do saudoso educador (2012), o povo de Apodi não poderia deixar cair no esquecimento aquele que tanto contribuiu para o seu progresso. Ora, escrever sobre Moacir Lucena não é fácil. Liacir Lucena, seu primogênito, já empreendeu essa tarefa e com mérito. O que pretendo fazer é contribuir com outro olhar, a partir das minhas próprias reminiscências. Quero deixar uma justa homenagem a um homem que prestou um serviço significativo – no que se refere à educação – o povo do Apodi, mesmo depois de transcorridos 67 anos da sua estada no Apodi. Alguém do Apodi deveria prestar essa homenagem e tomei a iniciativa de fazê-lo, pois penso que do educador Moacir Lucena lembrado pelas gerações futuras do Apodi, servindo de fonte de pesquisa a quem vier estudar e escrever a história da educação, desde os jesuítas, das velhas terras dos índios Paiacus, sitiantes das margens da lagoa e do córrego das Missões de São João Batista da Ribeira de Apody. .
Começo o relato, traçando um pouco a linha cronológica de sua estadia e vivência no Apodi, resgatando o que executou no período,que durou seis anos, em sua missão de educar os muitos filhos da terra. O primeiro momento compreendeu os anos 1939 e 1941. Depois ausentou-se por um ano, retornando em 1942, estendendo sua permanência até 1946, ano em que se ausentou da cidade definitivamente.
Moacir Lucena, nascido em Martins-RN em data de 05 de junho de 1912, ao chegar ao Apodi traz a formação adquirida na Escola Normal de Mossoró, onde se formou em 1933. Em seu curriculum, segundoLiacir Lucena, além de outros atributos não citados, os de: “professor, normalista, mestre-escola, educador, tipógrafo, jornaleiro, advogado, juiz, escritor, poeta, músico, compositor, chefe escoteiro, inspetor de ensino, esportista, amante do teatro e das artes, catalisador do desenvolvimento, agitador educacional...” São peculiaridades intrínsecas de homens instruídos em uma época marcante, quando o educador era um polivalente, os conhecimentos amplos, enciclopédicos, faziam parte de todo educador, trazendo o dom das artes. Pela semelhança de atributos, Moacir Lucena relembra-me o seu conviva, em terras mossoroenses, José Martins de Vasconcelos, escritor do Apodi. Assim, o renomado professor Moacir se entrelaça aos poucos com o Apodi por acontecimentos decorridos por força do destino. Coincidências marcantes: uma delas, por ter trabalhado na tipografia Nordeste, em Mossoró, de propriedade do citado escritor apodiense; outra, por ter sido estudante contemporânea da filha do patrão, a senhorita Selma Freire de Vasconcelos.
A escola formadora para o magistério fez outro elo entre Moacir Lucena e pessoas com seus nomes ligadas ao Apodi como o de Maria Gomes, que posteriormente chegou a ser reitora da atual Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). João Batista Guerra, outro filho do Apodi, que passou pela Escola Normal de Mossoró, criada em 1922 e assumiu cadeira no Grupo Ferreira Pinto em 1934, provavelmente, teria sido estudante do Magistério na mesma época emque Moacir Lucena o foi.
Em 1939, por meio do Ato n. 2.232, Rafael Fernandes, interventor federal do Estado potiguar, remove o professor Moacir da cidade de Flores (atual Florânia) para Apodi, incumbindo de dirigir as Escolas Reunidas Ferreira Pinto. Em 1941, leva seus saberes a Alexandria.No ano seguinte, retoma as atividades de docente no Apodi, onde fica lecionando até 1945. Naquele período, é de ressaltar que “o seu trabalho encontrou muita ressonância. O ensino primário melhorou substancialmente e novas instalações foram construídas para o grupo escolar”. Dentre tantos outros discípulos que ficaram no anonimato, sobressaem aquele que veio a ser bispo da diocese de Mossoró – dom José Freire. Na sua caderneta de chamadas, também, constavam os filhos do coronel Lucas Pinto - Newton e José Pinto – que,ao passar do tempo, galgaram os postos de desembargador e médico do Estado, respectivamente.

Ainda, salvo a memória de alguns apodienses em vida, passaram pelo banco escolar do mestre-escola, dentre outros, os seguintes discentes: Nelson Queiroz (ex-promotor de justiça e deputado estadual), Robson Lopes (ex-professor e diretor da Escola Antonio Dantas), Aurino Dias de Paiva (ex-bioquímico da Fundação de Saúde SESP e professor de letras da UERN, em Assú), Luiz de Alfredo (contabilista) e as irmãs Alvani e Lourdes Dias de Freitas (ex-professoras), Geraldo Pinto (ex-fiscal de renda), Vanci Diógenes (ex-servidor publico do município), Vilson Diógenes (ex-comerciante), a irmandade da família Marinho, Anita, Albaniza e Valba e, por fim dos relembrados, Joana Aires de Sena (funcionária da educação estadual, aposentada). Segundo Joana, o velho mestre a pôs de castigo por recusar a recitar versos – havia um dia da semana para os alunos recitarem poesias.

Nessa temporada, o professor Moacir arraigado aos princípios do escotismo, do patriotismo e do civismo, funda o grupo de escoteiros do Apodi. Em 1940 lança os adolescentes numa empreitada aventureira fazendo o percurso de Apodi à cidade de Porta Alegre. Mesmo sendo um trajeto arriscado, o de conduzir dezenas de escoteiros mirins, o que se sabe é que retornaram com o gosto da vitória trazendo várias medalhas por participarem de eventos esportivos. As normas e as práticas do escotismo, o veterano Moacir Lucena incorporou-as juntamente com ensinamento do patriotismo e civismo brasileiro.
Como um dado inusitado na nossa história, conduzido como imã atrativo ao Apodi, mestre e discípulo são estudantes da mesma turma e se formam em direito em 1956 na cidade de Maceió. O apodiense Newton Pinto, ex-aluno do mestre-escola Moacir Lucena, nas Escolas Reunidas Ferreira Pinto, como resultado de boa semeadura, o semeador e o bom fruto, ambos fizeram carreira na magistratura como juízes de direito. 
Ainda podemos citar como algo muito marcante na vida do mestre-escola: foi no Apodi que conheceu uma professora que veio tornar-se sua esposa, dando-lhe dez filhos durante a sua jornada de peregrinação de educador pelo interior do Rio Grande do Norte. Enlace cada vez mais se enraizando ao solo apodiense, dois deles brotaram no Apodi, os que vieram depois do primogênito: Helianto e Maria Gilsonete. Os pais da noviça professora Natália Queiroz dos Santos se estabeleceram em terras apodienses, numa época de seca que afligia o Seridó, de onde vieram. Foi nos sítios adjacentes por nomes de Liberdade, Pereiro e Salgado onde cultivaram e criaram gado.

O mundo é cheio de coincidências e surpresas.Já tinha o interesse pela a história do professor Moacir no Apodi. Já dispunha do valioso livro de crônicas e poesias relacionadas ao Apodi, cujo título é Lixívia e Rimas a Esmo, doado pelo conterrâneo Antonio Francisco de Oliveira, embora já surrado e impregnado de traças, se desfazendo, mas, pela preciosidade que é, cheguei a recuperá-lo como pude. Em 2012, de repente, cai em minhas mãos um número da Revista Oeste contendotexto sobre o ilustre educador.Pouco depois, a revista Foco também publica matéria sobre o seu centenário, divulgando fotografia da família Lucena. Ao ver a foto, reconheço o professor Leonardo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnológica do Rio Grande do Norte – IFRN.Prontamente fui procurá-lo para me certificar e, por sorte,sabendo por ele que Moacir Lucena era o seu avô. Tudo isso me leva a fonte fidedigna para completar com dados precisos o pouco dos conhecimentos que eu tinha sobre a história do experimentado educador em sua missão no Apodi.
Ressalto,mais uma vez, que o mestre Moacir foi precursor não só do método Paulo Freire, no Rio Grande do Norte,como também, aqui, no Apodi, do estilo literário de Nelson Rodrigues, por retratar, por meio de suas crônicas e poesias, a realidade tal qual era – nua e crua! Assim, registrou em sua antologia sobre o Apodi provinciano, denominada de Lixívia, Poesia a Esmo, conquanto, para alguns dos autores dos atos perpetrados pela fina flor da sociedade apodiense pôs nomes fictícios. Um dos episódios refere-se ao costume reprovável do banho da lagoa em que os dois sexos, naturalmente, se deliciavam nus nas águas da lagoa. Diante de tais histórias descritas sobre perda de pudor e valores morais, para o entendimento daquela época, os mais velhos contestavam tal publicação. Alguns apodienses se sentiam desconfortáveis porque alguns integrantes da famíliase tornavam alvo decensura. Outros se resentiam com palavra lixívia, pois achavam que manchavam o nome da cidade. Tal interpretação errônea não passa de um mal entendido. Para quem leu a introdução do livro, está clara a explicação para o termo lixívia. Não passa de uma analogia que fez com o produto que as lavadeiras usavam para branquear o encardido das roupas e, enquanto o faziam, passavam a limpo os fatos do cotidiano, tal qual a lavagem de roupa usada... Separavam o joio do trigo ou se falava do sujo e do mal lavado?!

Como registro relevante sobre o professor Moacir à frente do Grupo Ferreira Pinto, transcrevo o que consta em livro do historiador Valter de Brito Guerra: “Este mestre deixou seu nome na memória de quantos acompanharam de perto o seu trabalho como dirigente e professor do ´Ferreira Pinto`, pela sua dedicação, pontualidade e espírito de patriotismo, no cumprimento dos seus deveres. Possuidor de invejável inteligência e vastos conhecimentos literários, Moacir de Lucena prestou à juventude estudiosa de Apodi, os mais assinalados benefícios”.

Parabéns, Moacir Lucena, pelo seu centenário de nascimento em vida! Parabéns por ter abraçado o magistério e ter dado sua contribuição aos filhos de Apodi, por desbravar os sertões longínquos para levar o saber com sua prática pedagógica que tinha o diferencial, para a época dos coronéis, de estimular os alunos a pensar e não só a estes, mas a comunidade que o assistia. Louvamos o empenho consciente de sua missão como educador, sem dúvida, com merecidos reconhecimentos pela sua tarefa árdua, só nos resta dizer - FINES CORONAT OPUS.

Foto
Escoteiros de Apodi, tendo ao centro o chefe professor Moacir Lucena (ano 1940).



Natal, 20 de dezembro de 2012.
Nuremberg Ferreira de Sousa



Fonte de pesquisa:
LUCENA, Moacir. Lixívia e rimas a êsmo. Natal: Nordeste, 1979.
LUCENA, Moacir. Relicário de cultura: livro comemorativo do aniversário de 100 anos. Natal: Lucgraf, 2012.
MOACIR de Lucena: O semeador de escola. Foco nordeste, Natal, ano 12, n. 260, p. 28-30, nov. 2012.
MOACIR de Lucena: 100 anos de vibração. Revista Oeste, Mossoró, n. 15, mar. 2012.
GUERRA, Valter de Brito. Apodi no passado e no presente. 3.Ed. Mossoró: Coleção Mossoroense, 1995. (Coleção Mossoroense, V. C11).




0 comentários:

Blog do Prof. Ozamir Lima - Designer: Segundo Freitas