A CAÇA DAS ÚLTIMAS ONÇAS DA FAUNA APODIENSE
Não vamos nos reportar, neste texto, à exploração da questão
sobre a extinção dos animais e, principalmente, das onças nas regiões do sítio
Córrego e da Chapada do Apodi, torrões estes, outrora, com matas nativas
fechadas e que aos poucos foram sendo povoadas.
Neste texto, vamos esboçar o lado mais saudosista de como era
o nosso município, relembrando um tempo de expansão e ocupação do território
apodiense, com as estratégias impostas, pelos os agricultores, para assegurar
sua sobrevivência e dos animais da lida das suas atividades pecuaristas,
protegendo-se dos felinos autóctones e de outros predadores selvagens. Para
aqueles tempos difíceis, questão de vida ou morte! Já naqueles idos, fim da
década de 1960 se ouvia nas emissoras de rádio o que se cantava, retratando a
realidade do sertão. Traduzindo a problemática, o compositor João do Vale
expressou-se muito bem ao dizer: “Carcará pega, mata e come”. Fazendo analogia
à mesma temática com outros predadores da nossa região, vale relembrar o trecho
e o refrão da música:
Os burrego novinho
Num pode andá
Ele puxa o umbigo intématá
Carcará pega, mata e come.
Em meados dos anos 1960, o Apodi, já tendo subtraído perdas
significativas da área do seu município, cedendo-o para formar Caraúbas, Itaú,
Severiano Melo (Bom Lugar) e Felipe Guerra (Pedra de Abelhas), mesmo assim,
ainda restou-lhe, no que é a área municipal configurada no seu mapa atual, as
regiões do Córrego e da Chapada posicionadas na divisa com o Estado do Ceará,
que eram quase inexploradas e desabitadas. Naquela época, vez por outra,
ouvíamos notícias vindas dos sítios referentes à preocupação de fazendeiros ou
agricultores que estavam perdendo boa parte dos seus rebanhos para as onças
vermelhas, onças leopardo (de cor azulada) e onça maçaroca (identificada por
característica da lista preta no espinhaço), que apareciam bem próximo dos seus
terreiros e quintais e dizimavam parte do criatório até dentro do chiqueiro
para saciar a fome. Tal situação já nos leva a detectarmos que o homem, ao
chegar naquelas áreas, estabelecia competição com animais silvestres no seu
próprio hábitat. Com o desmatamento para a prática da agricultura e a caça
efetuada pelo civilizado colonizador, consequentemente, escasseava as presas, os
alimentos das onças. Era a luta pela sobrevivência de ambos.
Nos anos 60 e 70, ainda se viam onças nativas na região do
Apodi e adjacências. Eram vistas principalmente nos sítios Córrego, Bela Fonte,
Açude Novo, Cuvico, Empresa, Baixa Funda, Lagoa do Mato, sítio do Padre,
Juazeiro e Bispado. Tempo esse em que as vias de acesso, as estradas
carroçáveis para os sítios eram precárias de difícil locomoção e quase
inexistentes para os meios de transportes trafegarem. O comum mesmo eram o
cavalo, a carroça puxada por bois e até as bicicletas. Quanto aos automóveis,
os mais adequados para a região eram os Jeeps com tração nas quatro rodas, de
fabricação americana (indústria automobilística Willys). Posteriormente surgiu
a Rural e outros tipos de caminhonetes. Poucos apodienses possuíam carros.
Dentre eles, o coronel Lucas Pinto, cujo automóvel era dirigido por Neguinho de
Rita (motorista particular), Julio Marinho, Aristides Pinto, Chico Paulo, o
prefeito e o pároco. Com o passar do tempo, apareceram outros proprietários de
automóveis, utilizados para alugar. Os nossos táxis ou carros de fretes eram
Jeeps. Alguns eram transformados, recebendo carrocerias de madeira para
conduzir pequenas cargas, denominados popularmente de fubica. Recordemos alguns
nomes de motoristas taxistas: Pedrinho Abílio, Mário de Batista, Chico Tôrres,
Lêdo de Dioclécio, Abel Motorista, Aldo Barreto, Odimar leite, Chico Machico,
Sales Noberto, Pretinho Noberto, Totó de Manuel de Souza e Nêgo de Tomaz.
Naquele mesmo período, existiam poucas motocicletas de particulares. O mecânico
Zé Anjo, o ex-combatente Gregório, o músico Alex Maia e os dentistas Jofre
Barreto e Bugue possuíram esses tipos de transporte para uso particular.
Naquele momento de desbravamento da região, quando ainda não
existia educação ambiental, prevalecia o pioneirismo da ocupação de terras
inóspitas: o espaço ocupado para fins agropecuários, a busca da riqueza da
terra, a exploração de atividades econômicas. Nesse contexto, os desbravadores
precisavam dominar e/ou vencer a onça, animal feroz, que obstaculizava a
permanência deles na região. Além da onça, havia também o incômodo de outros
animais como o guaxinim, a raposa e o gato do mato – o maracajá e o azul (este
último considerado o mais difícil de ser caçado). Para Osvaldo Lima de Souza, o
gato azul era ardiloso e perspicaz, já de longe pressentia pelo faro aguçado a
armadilha que o esperava. Adonias Filho, adolescente na época, relembra, como
algo comum, o aparecimento de onças.
Certa feita, os senhores Pedrinho Abilo e Moço Preto de
Isauro, moradores da cidade, estavam de passagem, conduzindo um Jeep pelo sítio
Bela Fonte, quando, por coincidência, se depararam com uma onça vermelha
capturada numa arataca. Moço Preto, movido tão somente pela curiosidade do
ineditismo e demonstrando ar de farrista, levou a onça sacrificada para a
cidade.
A caça das últimas onças pintadas da fauna apodiense é fato
do passado. Restam-nos, agora, fotografias para vermos o que não existe e não
se pratica mais. Até porque esses animais, hoje, não teriam como sobreviver
numa região toda habitada por humanos.
O agricultor Osvaldo, filho do fazendeiro Adonias Soares de
Sousa, moradores do sítio Bela Fonte, naquela época, por ter boa parte do seu
rebanho de gado subtraído pelos predadores, tornou-se, por defesa, um exímio
caçador de onças. Com sua arte de preparar arapuca, armava aratacas de ferro
para capturar as onças e outras feras. Cumpria, dessa forma, seu papel nessa
visão de se estabelecer na nova terra para produzir e desenvolver a região,
assim como bem antes os Nogueiras o fizeram, embora com outros recursos, para
ocupar as terras dos Paiacus da lagoa de Apodi. Essa é a outra história dos
portugueses no que se refere à extinção de outros seres nativos...
Para muitos apodienses rurícolas desbravadores do lugar, tudo
já é passado. Vivemos num mundo de comunicação rápida, globalizado, em que
determinados nomes de pássaros e outros animais estão fadados ao esquecimento.
Já não os ouvimos ou vemos mais na parca floresta da caatingueira. Sobre isso,
Câmara Cascudo, o maior historiador potiguar, resumiu, numa pequena frase,
segmentando o passado do presente, e até certo ponto nostálgica: “Vivi no
sertão típico, agora desaparecido”. Esses são resquícios de um passado não
muito distante, esse era o Apodi com sua fauna que ainda criança alcancei!
Natal, 24.04.13.
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