terça-feira, 14 de maio de 2013

A CAÇA DAS ÚLTIMAS ONÇAS DA FAUNA APODIENSE


 Não vamos nos reportar, neste texto, à exploração da questão sobre a extinção dos animais e, principalmente, das onças nas regiões do sítio Córrego e da Chapada do Apodi, torrões estes, outrora, com matas nativas fechadas e que aos poucos foram sendo povoadas.
Neste texto, vamos esboçar o lado mais saudosista de como era o nosso município, relembrando um tempo de expansão e ocupação do território apodiense, com as estratégias impostas, pelos os agricultores, para assegurar sua sobrevivência e dos animais da lida das suas atividades pecuaristas, protegendo-se dos felinos autóctones e de outros predadores selvagens. Para aqueles tempos difíceis, questão de vida ou morte! Já naqueles idos, fim da década de 1960 se ouvia nas emissoras de rádio o que se cantava, retratando a realidade do sertão. Traduzindo a problemática, o compositor João do Vale expressou-se muito bem ao dizer: “Carcará pega, mata e come”. Fazendo analogia à mesma temática com outros predadores da nossa região, vale relembrar o trecho e o refrão da música:

Os burrego novinho
Num pode andá
Ele puxa o umbigo intématá
Carcará pega, mata e come.

Em meados dos anos 1960, o Apodi, já tendo subtraído perdas significativas da área do seu município, cedendo-o para formar Caraúbas, Itaú, Severiano Melo (Bom Lugar) e Felipe Guerra (Pedra de Abelhas), mesmo assim, ainda restou-lhe, no que é a área municipal configurada no seu mapa atual, as regiões do Córrego e da Chapada posicionadas na divisa com o Estado do Ceará, que eram quase inexploradas e desabitadas. Naquela época, vez por outra, ouvíamos notícias vindas dos sítios referentes à preocupação de fazendeiros ou agricultores que estavam perdendo boa parte dos seus rebanhos para as onças vermelhas, onças leopardo (de cor azulada) e onça maçaroca (identificada por característica da lista preta no espinhaço), que apareciam bem próximo dos seus terreiros e quintais e dizimavam parte do criatório até dentro do chiqueiro para saciar a fome. Tal situação já nos leva a detectarmos que o homem, ao chegar naquelas áreas, estabelecia competição com animais silvestres no seu próprio hábitat. Com o desmatamento para a prática da agricultura e a caça efetuada pelo civilizado colonizador, consequentemente, escasseava as presas, os alimentos das onças. Era a luta pela sobrevivência de ambos.
Nos anos 60 e 70, ainda se viam onças nativas na região do Apodi e adjacências. Eram vistas principalmente nos sítios Córrego, Bela Fonte, Açude Novo, Cuvico, Empresa, Baixa Funda, Lagoa do Mato, sítio do Padre, Juazeiro e Bispado. Tempo esse em que as vias de acesso, as estradas carroçáveis para os sítios eram precárias de difícil locomoção e quase inexistentes para os meios de transportes trafegarem. O comum mesmo eram o cavalo, a carroça puxada por bois e até as bicicletas. Quanto aos automóveis, os mais adequados para a região eram os Jeeps com tração nas quatro rodas, de fabricação americana (indústria automobilística Willys). Posteriormente surgiu a Rural e outros tipos de caminhonetes. Poucos apodienses possuíam carros. Dentre eles, o coronel Lucas Pinto, cujo automóvel era dirigido por Neguinho de Rita (motorista particular), Julio Marinho, Aristides Pinto, Chico Paulo, o prefeito e o pároco. Com o passar do tempo, apareceram outros proprietários de automóveis, utilizados para alugar. Os nossos táxis ou carros de fretes eram Jeeps. Alguns eram transformados, recebendo carrocerias de madeira para conduzir pequenas cargas, denominados popularmente de fubica. Recordemos alguns nomes de motoristas taxistas: Pedrinho Abílio, Mário de Batista, Chico Tôrres, Lêdo de Dioclécio, Abel Motorista, Aldo Barreto, Odimar leite, Chico Machico, Sales Noberto, Pretinho Noberto, Totó de Manuel de Souza e Nêgo de Tomaz. Naquele mesmo período, existiam poucas motocicletas de particulares. O mecânico Zé Anjo, o ex-combatente Gregório, o músico Alex Maia e os dentistas Jofre Barreto e Bugue possuíram esses tipos de transporte para uso particular.
Naquele momento de desbravamento da região, quando ainda não existia educação ambiental, prevalecia o pioneirismo da ocupação de terras inóspitas: o espaço ocupado para fins agropecuários, a busca da riqueza da terra, a exploração de atividades econômicas. Nesse contexto, os desbravadores precisavam dominar e/ou vencer a onça, animal feroz, que obstaculizava a permanência deles na região. Além da onça, havia também o incômodo de outros animais como o guaxinim, a raposa e o gato do mato – o maracajá e o azul (este último considerado o mais difícil de ser caçado). Para Osvaldo Lima de Souza, o gato azul era ardiloso e perspicaz, já de longe pressentia pelo faro aguçado a armadilha que o esperava. Adonias Filho, adolescente na época, relembra, como algo comum, o aparecimento de onças.
Certa feita, os senhores Pedrinho Abilo e Moço Preto de Isauro, moradores da cidade, estavam de passagem, conduzindo um Jeep pelo sítio Bela Fonte, quando, por coincidência, se depararam com uma onça vermelha capturada numa arataca. Moço Preto, movido tão somente pela curiosidade do ineditismo e demonstrando ar de farrista, levou a onça sacrificada para a cidade.
A caça das últimas onças pintadas da fauna apodiense é fato do passado. Restam-nos, agora, fotografias para vermos o que não existe e não se pratica mais. Até porque esses animais, hoje, não teriam como sobreviver numa região toda habitada por humanos.
O agricultor Osvaldo, filho do fazendeiro Adonias Soares de Sousa, moradores do sítio Bela Fonte, naquela época, por ter boa parte do seu rebanho de gado subtraído pelos predadores, tornou-se, por defesa, um exímio caçador de onças. Com sua arte de preparar arapuca, armava aratacas de ferro para capturar as onças e outras feras. Cumpria, dessa forma, seu papel nessa visão de se estabelecer na nova terra para produzir e desenvolver a região, assim como bem antes os Nogueiras o fizeram, embora com outros recursos, para ocupar as terras dos Paiacus da lagoa de Apodi. Essa é a outra história dos portugueses no que se refere à extinção de outros seres nativos...
Para muitos apodienses rurícolas desbravadores do lugar, tudo já é passado. Vivemos num mundo de comunicação rápida, globalizado, em que determinados nomes de pássaros e outros animais estão fadados ao esquecimento. Já não os ouvimos ou vemos mais na parca floresta da caatingueira. Sobre isso, Câmara Cascudo, o maior historiador potiguar, resumiu, numa pequena frase, segmentando o passado do presente, e até certo ponto nostálgica: “Vivi no sertão típico, agora desaparecido”. Esses são resquícios de um passado não muito distante, esse era o Apodi com sua fauna que ainda criança alcancei!




Natal, 24.04.13.
Nuremberg Ferreira de Sousa


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