Muito cuidado com a ressaca da democracia
Em artigo no O POVO deste sábado (22), o editor-adjunto do Núcleo de Conjuntura do O POVO, Luiz Henrique Campos, avalia as consequências das manifestações pelo Brasil. Confira:
As manifestações que tomam conta do País nos últimos dias representam sopro de cidadania para uma sociedade que estava calada diante dos descalabros aos quais era submetida no dia a dia. Se até então o poder público fazia ouvido de mercador a esses reclamos, a partir de agora terá que se render ao barulho das ruas antes de optar pelo encastelamento típico dos governantes. O clima de festa que vem caracterizando a adesão aos protestos, todavia, deixa no ar muito mais do que reflexões. Deixa, na verdade, o que é pior, incertezas.
Os protestos em São Paulo contra o aumento do preço da passagem de ônibus foram sendo pulverizados pelo restante do País e hoje, não se sabe ao certo contra o quê se luta. O risco dessa situação é agravado em virtude da inexistência de lideranças claras com as quais os governos possam ao menos sentar para conversar.
Governo, é bom deixar claro, que mesmo se tivesse com quem conversar, encontra-se totalmente fragilizado para reagir ou propor alternativas. Diante disso, está aberta a porta para os atos de violência vistos ultimamente, sem que de fato se possa vir a prever o que está a nos esperar. A invasão do Palácio do Itamaraty é simbólica no sentido dos limites a que os protestos estão submetidos.
Paradoxalmente, enquanto diversas pessoas se vangloriam de a sociedade ter voltado às ruas para protestar, o alvo dessas manifestações são justamente governantes que já ocuparam essas avenidas e praças em outros momentos do Brasil, para oferecer a possibilidade de que as futuras gerações pudessem exercer a democracia em sua plenitude.
A festa democrática trata-se de direito sagrado, e nada mais justo que todos possam dela participar. No entanto, como toda festa, o excesso na dose gera efeitos colaterais que muitas vezes terminam em tremenda ressaca.
Para um país no qual a história recente ainda está marcada pelo trauma de 1964, quando as pessoas foram tolhidas do seu direito de ir às ruas, não custa lembrar que a história não se repete por capricho e a ressaca desses momentos invariavelmente deixa marcas por vários anos, quando não para a vida toda.
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