sábado, 6 de julho de 2013

APODI - Autodidata mantém biblioteca particular



Seu Zé do Violão, como é mais conhecido, orgulha-se da coleção



Gazeta do oeste

A casa simples já não tem nenhum espaço que não seja ocupado por algum exemplar dos livros que ele comprou ou recebeu como doação de amigos e conhecidos. Até mesmo a bicicleta serve de estante para guardar alguns volumes. A mesa e o armário da cozinha também não escaparam. Assim como a velha penteadeira, estantes e cadeiras também não saíram ilesas da coleção de seu Zé do Violão.
Um sonho antigo, a necessidade, as dificuldades de quem se vive no analfabetismo e a vontade de se comunicar foram o bastante para que o aposentado José Pequeno de Sousa aprendesse a ler sozinho aos 39 anos de idade. Hoje com 81 anos, mais conhecido como Zé do Violão, ele se orgulha do conhecimento adquirido com suas leituras e principalmente da biblioteca de mais de quatro mil títulos que mantém na sua casa, localizada no município de Apodi.
A infância difícil, onde ele tinha que trabalhar para ajudar os pais no sustento da família, não lhe deu a oportunidade de estudar, mas a vontade de ler e escrever sempre estiveram presentes em seus pensamentos. Segundo ele, o sonho foi apensas adiado. A família andarilha passava pelas cidades e ele, ainda menino, mostrava seu talento para a música tocando o seu velho violão, fato que lhe rendeu o apelido que carrega até hoje. “Sou mais conhecido como Zé do Violão do que pelo meu nome de batismo. O violão, assim como os livros, é minha paixão. Não vou deixar de tocar até morrer. As pessoas até se admiram que eu com 81 anos ainda tenho mobilidade nos dedos para tocar. Mas é assim mesmo, se a gente parar aí é que enferruja tudo”, diverte-se.
Enquanto crescia, além de tocador, o autodidata também aprendeu outras diversas profissões. Foi barbeiro, carpinteiro, pintor, vidraceiro, pedreiro. “Já fiz de tudo um pouco. Nessa vida a gente tem que aprender a se virar para não ficar parado. Meu último trabalho antes de me aposentar foi vidraceiro. Gostava de fazer molduras e espelhos. Recebia muitas encomendas, mas com a idade avançando tive que parar. Hoje ainda faço uma pecinha aqui e outra ali, mas nada muito grande”, conta mostrando os equipamentos e ferramentas que utilizava para trabalhar. Material que ele guarda com orgulho e carinho expostos numa das paredes da sua sala.
Ele relembra que além da vontade de aprender a ler, a necessidade foi outro incentivo que ele encontrou para buscar se alfabetizar. “Nessa época eu era pintor e sentia muita necessidade de ler para poder saber o que dizia os manuais, as indicações das tintas. O fato de não saber ler me atrapalhava demais e foi então que eu resolvi que era a hora de mudar. Comprei os primeiros livros de caligrafia e não parei mais. Foi uma paixão que aumentava a cada dia. Meu trabalho melhorou e eu podia ler tudo sozinho sem precisar pedir pra ninguém me ajudar. Essa foi uma época muito importante na minha vida”, relembra.
Depois de muito esforço e dedicação, ele passou a ler mais e mais e a comprar livros de áreas diferentes. Sua biblioteca, a qual ele chama de “Biblioteca Secreta”, passou a ganhar novos títulos todos os dias. Além das gramáticas e caligrafias, e dicionários os primeiros exemplares falavam sobre pinturas.
Uma das principais características da biblioteca de seu Zé do Violão é a variedade e diversidade de livros. Enciclopédias, literaturas, manuais, no acervo é possível encontrar até guias para alunos de medicina. Livros raros também ocupam as prateleiras da casa, além de atlas, livros de inglês, sobre religião e infantis.

Após experiência negativa, livros não podem ser emprestados

 Durante a visita da reportagem à casa de seu Zé, apenas uma ressalva é feita pelo aposentado: “pode olhar, folhear, pesquisar o que quiser. Só não peça nada emprestado. Daqui não sai nenhum livro. Meu prazer é receber as pessoas aqui, mas emprestar, não empresto nenhum!”, avisa. A medida foi tomada após a experiência de ter livros emprestados e não devolvidos. “Antes eu deixava o pessoal levar, mas sofri algumas perdas e por isso proibi. Quem quiser ler tem que ser aqui sob o meu olhar. Tem gente que não tem muito cuidado. Pega o livro de qualquer jeito, escangalha tudo. Abre demais. Tenho ciúmes de todos eles. Eles são meu maior tesouro”, enfatiza.
A biblioteca recebe frequentemente alunos e pesquisadores em busca de pesquisas. “O que você procurar tem aqui. Uma vez recebi um pessoal e um rapaz disse que não encontraria o que precisava. Então o desafiei a voltar e procurar o que ele queria. No outro dia ele voltou e nós achamos o livro que ele procurava. Isso me deixa muito feliz”.

  ‘Não gosto das novas tecnologias’
 Perguntado sobre as novas tecnologias, onde é possível encontrar livros na internet, por exemplo, ele diz que não gosta de nada disso. “Meu negócio é o livro de papel. Não há nada melhor do que sentar e ler um bom livro. Não gosto de computador, nem de celular, nem nada que me perturbe. A internet pode parar de uma hora pra outra e você não vai mais ter como terminar o que estava lendo. Com o livro de papel na mão isso não acontece”, ressalta.
A manutenção das estantes e armários, além da limpeza dos livros é feita uma vez por semana por ele mesmo. “Não gosto que ninguém mexa. As pessoas de foram vêm limpar e acaba bagunçando tudo por isso faço questão de limpar e arrumar porque quando me perguntam onde está tal livro, eu vou direto nele. Sei onde está cada um dos títulos que tenho aqui”, diz. A esposa dele, dona Maria Crisóstomo, o ajuda na limpeza, mas nunca tira nada do lugar para não atrapalhar na organização. Apesar de viver entre os livros, ela não sabe ler, mas gosta de folhear aqueles que têm figuras. Além da esposa, seu Zé do Violão mora com um filho, a quem ele diz que deixará a herança dos livros.
Mesmo com toda essa quantidade de títulos, seu Zé ainda quer aumentar a coleção e diz que está aberto para receber doações da comunidade. “Pretendo ate me mudar para um lugar maior onde eu tenha mais espaço para receber novos livros”, planeja.

FORMAÇÃO

A paixão pela leitura despertou também em seu Zé do Violão o interesse pela Bíblia. Integrante da Igreja Adventista do 7º Dia, ele conta que é formado em Teologia e já concluiu três cursos teológicos promovidos pela igreja. “Eu sempre gostei de ouvir a Palavra. Antes eu apenas ouvia a pregação dos pastores, mas depois que me formei em Teologia tenho o conhecimento para poder debater, participar da conversa. Hoje os pastores vêm na minha casa pra gente conversar e debater sobre os textos bíblicos. São momentos muito bons. Hoje o que mais leio são textos bíblicos porque quero sempre aprender mais e mais. O conhecimento é uma coisa que ninguém pode tirar da gente”.

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