O Lula de sempre
Enquanto o povo estava nas ruas cobrando
gestão governamental competente e sem corrupção, Luiz Inácio Lula da Silva
escondeu-se como se não tivesse nada a ver com o assunto. Bastou as
manifestações populares refluírem - ao que tudo indica, momentaneamente - para
ele voltar. E voltou para mostrar que continua exatamente o mesmo, que não
aprendeu nada com o retumbante "chega!" que a voz das ruas bradou
para os políticos que se julgam muito espertos e capazes de manipular
eternamente os anseios populares.
Em dois eventos públicos em dias sucessivos,
em Brasília e em Salvador, o ex-presidente lançou mão de todos os recursos de
seu arsenal do mais demagógico populismo, na tentativa de reverter a queda
livre do prestígio do governo petista em todos os segmentos da população
brasileira e em todas as regiões do País. Na verdade, mais do que preservar a
imagem do governo e de sua pupila Dilma Rousseff, Lula demonstra estar
preocupado em salvar o ameaçado projeto de poder do partido que comanda. E para
tanto usou, como de hábito, seu melhor argumento de defesa: o ataque.
Na arenga de mais de uma hora no
Festival da Mulher Afro, Latino-Americana e Caribenha, na terça-feira em
Brasília, os dotes palanqueiros de Lula revelaram, como única novidade, a
admissão implícita do enorme desgaste de Dilma Rousseff com suas repetidas
trapalhadas na tentativa de dar satisfação aos protestos populares.
O script não foi diferente no dia
seguinte, na capital baiana, durante evento comemorativo dos 10 anos de poder
do PT. Depois de um encontro reservado de três horas que certamente não foi
dedicado a comemorações - tempo relativamente curto, aliás, levando em conta o
tamanho do prejuízo a recuperar -, Lula e Dilma subiram ao palanque montado
pelo governador Jaques Wagner para, como de hábito, lançar sobre os ombros das
"elites" a responsabilidade de todos os males que afligem o País e
gabar feitos sem precedentes na história deste país.
O tema principal dos discursos da dupla
foi a inflação, que flerta com o descontrole e é uma das facetas mais visíveis
da incompetência do governo aparelhado pelo PT. Para Dilma, "não é
verdade" que a inflação seja um problema, porque "este será o décimo
ano seguido em que a inflação está sob rigoroso controle". Não importa que
o índice inflacionário se tenha mantido, nos últimos meses, no teto da meta, e
não em seu centro, como ocorreria se estivesse efetivamente sob controle. E o
argumento não estaria completo se, no melhor estilo lulopetista, algumas pedras
não fossem lançadas sobre o passado: "E lembremos que nos últimos quatro
anos anteriores ao governo Lula, em três a inflação ficou acima da meta".
Por sua vez, Lula deixou bem clara a
relação paternalista que mantém com sua sucessora, ao dar-lhe conselhos em
público, com uma frase cheia de significados nada misteriosos: "Você,
Dilminha, pode começar a fazer oposição a você mesma. Porque a gente pode fazer
muito mais". Manifestação típica da tática do morde-assopra que
aparentemente o patrono do PT tem aplicado para "enquadrar" aquela
cujas lambanças ameaçam comprometer seriamente a ambição da companheirada de se
perpetuar no poder.
Lula anda tão obcecado com a ideia de
corrigir os desacertos de Dilma que tem cometido gafes embaraçosas. No evento
de Brasília declarou: "Dilma não é mais do que uma extensão da gente lá.
Nós seremos responsáveis pelos acertos e pelos erros que ela cometer".
Descartada a hipótese de ele ter usado um "nós" majestático, que
transformaria a frase em pura afronta à dignidade presidencial, em nada
colabora para melhorar a imagem de Dilma a tentativa de coletivizar a
responsabilidade que a ela, e somente a ela, cabe como chefe de Estado e de
governo. É o velho truque de socializar os erros e privatizar os acertos.
Falando aos jornalistas depois do evento
em Salvador, Lula deixou no ar uma frase capciosa: "Hoje, eu descubro o
quanto eu poderia ter feito mais".
Ressurge, assim, no proscênio político,
para mostrar que o velho e ardiloso Lula continua sendo o que sempre foi.
(Editorial do jornal “Estado de
S.Paulo”, deste sábado)
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