sábado, 7 de setembro de 2013

A filosofia machadiana

Ivan Maciel de Andrade - Advogado

Gustavo Bernardo, em “O problema do realismo em Machado de Assis” (Rocco, 2011), afirma que há um consenso quanto ao fato de que o Bruxo de Cosme Velho “embebeu sua ficção de filosofia, – com destaque para aquela de Pascal e Montaigne, – tanto que se pode considerá-lo não apenas nosso maior escritor, mas nosso maior pensador”. Segundo Bernardo, a filosofia “que informa sua obra é eminentemente cética, como demonstra José Raimundo Maia Neto (1994).” A concepção cética “não supõe ateísmo ou descrença”. O “cético não crê nem descrê”. Ele “suspende seu juízo o máximo de tempo possível, protegendo assim a dúvida para continuar duvidando.”

O livro “O ceticismo na obra de Machado de Assis” (Annablume, 2007), de José Raimundo Maia Neto, foi publicado de início em inglês pela norte-americana Purdue University Press (1994), com o título “Machado de Assis, the Brazilian Pyrronian”. Na introdução, ressalva o autor que “não é o primeiro trabalho a indicar uma dimensão reflexiva cética na obra de Machado de Assis”, mas reivindica o pioneirismo de “tomar por ceticismo a tradição filosófica iniciada por Pirro, o pirronismo.” Maia Neto ressalta como “peculiaridades” de seu estudo: a) “qualificar o ceticismo não como um aspecto, mas como o fundamento da ficção machadiana”; b) analisar a criação de personagens céticos e a “adequação da forma literária” a tais personagens; c) “os personagens que adotam a perspectiva cética são os autores ficcionais de Machado, a saber, Brás Cubas, Bento e Aires.”

Em “O espírito e a letra” (vol. I, Companhia das Letras, 1996), Sérgio Buarque de Holanda também adota o ponto de vista de que a filosofia machadiana é cética: “Seu mundo não conhece a tragédia. O trágico dissolve-se no absurdo”. Já Miguel Reale (“A filosofia na obra de Machado de Assis”, Pioneira, 1982) assinala que os estudos sobre a filosofia machadiana “convergem num ponto essencial: o reconhecimento  da densidade filosófica de sua obra”. Destaca Reale: a) na obra machadiana há mais uma “constante teorética” do que uma “deliberada colocação de problemas em termos filosóficos”; b) existem afinidades com Montaigne, Pascal, Schopenhauer e o Eclesiastes; c) pela visão de que cabe ao ser humano “viver uma vida que não esolheu e cujo principío e fim lhe escapam”, Machado teria sido um heideggeriano “avant la lettre”; d) seria um “precursor” de Freud em face da valorização do “papel dos sonhos” e das “desvelações e antecipações do inconsciente”; d) seu pessimismo “dourava-se” com a ironia; e) era adepto da teoria evolucionista de Darwin. 


Na crônica de 28.02.1897 (“A Semana”), Machado nega que seja cético. E adverte que se o leitor descobrir nele alguma coisa “que se possa dizer pessimista” – “nada há mais oposta ao ceticismo”, pois “achar que uma coisa é ruim não é duvidar dela, mas afirmá-la”. E quanto à sua descrença em Deus e na imortalidade da alma, tantas vezes confessada? Em carta de 20.11.1904 a Joaquim Nabuco, Machado fala sobre a morte da “meiga Carolina”. Como está “à beira do eterno aposento”, diz, não gastará “muito tempo em recordá-la”. Conclui: “Irei vê-la, ela me esperará.”

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