Duas visões do interior, por Zuenir Ventura
As metrópoles estão
exportando suas mazelas para o interior. As pequenas e médias cidades têm hoje
os mesmos problemas das grandes, e nem sempre em escala menor. Em viagens, pude
observar a espantosa rapidez com que o fenômeno ocorre nesses paraísos
perdidos.
A crise mais visível é
a da (i)mobilidade urbana. O engarrafamento é hoje comum — e não só nas horas
de rush — até naquelas capitais onde as pessoas almoçam (ou almoçavam) em casa
confortavelmente, com tempo inclusive para uma rápida sesta.
As reclamações são as
mesmas e têm a ver com a perda de qualidade de vida. “Eu levava 20 minutos,
agora levo mais de uma hora”, ouvi em vários lugares. As causas são conhecidas.
Com a elevação do poder
aquisitivo da nova classe média e o incentivo à indústria automobilística com
redução de impostos, as ruas foram invadidas e ocupadas pelos carros, sem que
tivesse havido um mínimo de preparação para isso: elas continuam com a mesma
largura e, em geral, novas vias de escoamento não foram construídas.
Pior do que o problema
do trânsito é o da violência. Para se ter uma ideia: o Piauí, que se orgulha de
ser um dos estados menos violentos do país, está preocupado com o alarmante
aumento de crimes, como latrocínio (roubo seguido de morte) e estupro, que dobraram
ou triplicaram, assim como os casos de morte não solucionados.
Eu estava em Teresina
quando esses dados foram publicados, para desconforto das autoridades e da
população. Outra praga que está infestando o país todo é o consumo de crack,
presente nos mais distantes rincões.
Conversando com o
prefeito de uma cidade do Nordeste, quis saber como a droga chegava ao seu
município, e ele explicou que era uma perversa operação. Jovens desempregados
são recrutados para trabalhos sazonais em SP, principalmente corte de cana.
Vão e os próprios
proprietários fornecem a droga como parte do pagamento pelo trabalho. Voltando
para suas cidades, eles levam consigo o vício e o produto para traficar,
criando assim literalmente um círculo vicioso difícil de desmantelar.
Se por um lado o que
chamamos de “interior” está vivendo esses dramas, por outro, observa-se um
grande empenho para ativar a vida cultural, com a promoção, por exemplo, de
feiras, salões, festivais e bienais de livro.
Nas últimas semanas,
participei de uns quatro eventos desse tipo, destacando-se o Flin (Festival
Literário Internacional de Natal), pela abrangência dos temas e a numerosa
participação. Houve mais de trinta mesas sobre os mais variados assuntos, com a
presença de autores daqui, de Portugal e da África de Língua Portuguesa.
Só de imortais da ABL,
eram quatro. De mortais, uns 60. O luxo foi ter Caetano Veloso debatendo poesia
com Eucanaã Ferraz e fazendo o show de encerramento. Foram mais de três horas
de Caetano sem falar uma só vez de biografias. Uma delícia.
Zuenir Ventura é
jornalista.
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