A tirania da opinião.
A brutalidade do stalinismo, a estupidez do império
soviético e sua derrocada, mesmo garantindo aos adeptos, onde eu me incluía,
que era um processo irreversível, não me dá o direito de reconhecer
legitimidade ou dignidade humana ao império americano.
Os desvios ditatoriais da Revolução Cubana, que escorraçou
um balneário de prostituição e drogas, ilha prostituta do gigolô Fulgêncio
Batista, não me dá o direito de defender o embargo punitivo ao povo cubano pelo
império capitalista.
As ditaduras islâmicas, que torturam e matam em nome de
Deus, não me dá o direito de reconhecer legitimidade ao império americano para
interferir e decidir, em nome dos povos, o destino das nações.
O resultado do renascimento da Democracia brasileira,
produzindo aberrações que vão de Sarney, Collor, Renan, tucanagem e
licenciosidade petista, não me dá o direito de esquecer ou justificar a
violência, covardia e brutalidade da Ditadura Militar, que transformou a Pátria
num vasto esgoto de sêmen e sangue.
A admiração que tenho pela obra literária de Jorge Luis
Borges não me dá o direito de aplaudir sua convicta defesa da Ditadura
argentina. Assim como não posso nem devo desmerecer sua obra apenas por opor-me
à sua opinião.
Saddam Hussein não inocenta George W. Bush. Stalin não salva
Médici. Cuba não justifica Guantánamo. O mal de uns não abona a maldade dos
outros.
A degeneração da Esquerda não obriga ao reconhecimento da
Direita. Até porque o grande erro de uma foi querer imitar a outra. Imitação
tentada, resultado impossível. A Direita é a mesma, ruim e inteligente. A
Esquerda mudou pra pior; deslumbrou-se com o lustre da Direita. Oprimida,
contratou pra fazer com algodão mocó o mesmo alfaiate que talhou de seda o
paletó do opressor.
O julgamento de corruptos de esquerda não é o julgamento da
Esquerda. Assim como o bom caráter de pessoas de direita não é o caráter da
Direita.
A nossa Corte Suprema já agasalhou ilustres onde essa
palavra carrega o seu brilho natural. Porém, nem sempre é a regra. Um Ministro,
Luiz Fux, que diz ter feito “campanha” pra chegar lá, inclusive pedindo apoio
de um processado, usando expressões do futebol, “bati na trave três vezes”,
“esse processo eu mato no peito”, não dignifica a história do Supremo. Nem a
traição aos “cabos eleitorais” salva sua biografia.
O ato de condenar desvios de conduta não pode alçar ninguém
à condição de herói. Formação acadêmica não é biografia. É currículo. E
condenar culpados não é heroísmo. É dever.
Mudo de opinião ao mudarem de azimute as circunstâncias.
Mudar de ideia, pelo convencimento, evita que a minha opinião seja o meu
tirano. Como ensinou Stendhal. Mas não permito à velhice o assassinato da
revolta que justificou as ilusões da mocidade. Té mais.
François Silvestre
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