Figurinhas
Prosa do Domingo. (na Coluna Plural do Novo Jornal).
Álbum de figurinhas. Só a sonoridade desse nome, com a
transformação do som na imagem, me leva a um tempo da vida que guardo no fundo
acolhedor de um baú inexistente, daqueles de Quintana.
Fecho a cortina e volto ao hoje. Vejo meus filhos de
aquisição, Daniel e Raoni, excelentes pais, centrados, batalhadores,
profissionais sensatos, transformados em adolescentes ao colarem figurinhas no
álbum da Copa.
Permuta de repetidas, vibração com as “difíceis”, contagem
das faltas. E no meio, Felipe sem deixar colar as suas, preferindo brincar com
as figurinhas soltas, enquanto Giovana vai colando as suas em qualquer lugar.
“tem um goleiro pregado na porta do meu quarto”. Felipe me ensina: “Voínho, o
Japão tem uma bola na bandeira”. Os dois
infantilizam minha velhice. Ou os
quatro.
Figurinhas do álbum invicto de Felipe servindo para os do
pai e tio, mas ele vigilante ante os olhos gananciosos de quem só espera uma
chance para o furto. Felipe me levou a uma banca de revistas e me fez comprar
um pacote completo, daqueles que vem lacrado com plástico e liga.
Não pude esquecer os tempos difíceis, quando completava o
álbum lentamente, trocando o lanche do dia por um pequeno pacote de cinco
figurinhas. E a troca de repetidas, na frente do Cine Pax, de seu Félix, ou do
Alvorada.
Outra diferença brutal é a qualidade do material e a forma
de colagem. As figurinhas do meu tempo eram “pregadas” no álbum com cola branca
de papel, ou grude de goma, de tal forma que o álbum ia ficando inchado à
medida do preenchimento. E se você exagerasse na cola, acabava grudando as
páginas do álbum. Hoje, é tudo adesivado.
Como a política e o futebol.
Meu álbum da Copa de 62 ficou quase completo. Havia
figurinhas difíceis, que produziam vibração quando encontradas. Carbajal,
goleiro do México. Yashin, da Rússia. Abelardo, atacante da Espanha. Zito, do
Brasil. Schiroif, da Checoslováquia. E outras fáceis. Amarildo, do Brasil.
Puskas, da Espanha. Soube que a dificuldade ou facilidade dava-se pelos lotes
distribuídos. Difícil num lugar, fácil noutro.
Há uma diferença que o meu tempo ganha em qualidade e
brilho. A beleza romântica do futebol de arte. Agressão física nos estádios? Só
entre os próprios jogadores, muito raramente. Hoje, é ganância no campo e
violência na rua.
A inigualável Copa de 1958, cujo elenco forneceu a base do
time bicampeão, em 62. Talvez só a seleção de 70 consiga uma comparação. Mesmo
assim desaguando no medíocre time de 74.
Um time e duas seleções. Começou dum jeito, terminou de
outro; invicto. De Sordi cedendo o lugar a Djalma Santos, Garrincha no lugar de
Joel, Vavá no lugar de Mazola, Pelé tirando Dida. Em 62, Mauro no lugar de Beline,
Zózimo no de Orlando e Amarildo substituindo Pelé.
Parece que tô vendo meu álbum. Inchado de grude e saudade.
Té mais.
Por François Silvestre
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