Paulo Francis tinha razão
Ivan Maciel de Andrade
Advogado
Paulo Francis ocupa um
dos primeiros lugares numa relação que se faça dos mais cultos e brilhantes
jornalistas brasileiros de todos os tempos. Decepcionou-se com o comunismo
stalinista e tornou-se um reacionário intolerante e radical. A partir daí, sua
irreverência criou muitos inimigos, que ele enfrentou em polêmicas cheias de
sarcasmo e de violência verbal. Ele merece respeito, acima de tudo, por sua
fulgurante inteligência. Mas também por sua dignidade como profissional e pela
independência e coragem com que defendia suas opiniões. Por essas qualidades é
que Paulo Francis faz uma grande falta hoje ao nosso país. O “Diário da corte”
testemunha o que existe de melhor em sua intensa atividade jornalística,
pautada pelo desafio a mitos, tabus e convenções sacralizadas.
Morreu Paulo Francis em
1997 de um infarto em Nova York. A causa do ataque cardíaco é conhecida: ele
fez acusações de irregularidades à direção da Petrobras no programa “Manhattan
Connection’’. A Petrobras moveu, então, uma ação contra Francis, perante a
Justiça dos Estados Unidos, pedindo uma milionária indenização por danos
morais. Francis, como não dispunha de provas concretas de irregularidades
praticadas por dirigentes da Petrobras (que somente agora foram divulgadas pela
mídia nacional e internacional), ficou profundamente receoso, diante do rigor
da Justiça norte-americana, de vir a sofrer uma condenação que representaria a
sua ruína financeira e patrimonial. A ironia de tudo isso é que, a esta altura,
chegou-se à conclusão de que Paulo Francis, um jornalista excepcionalmente bem
informado, tinha mesmo razão. O que significa dizer, em última análise, que
Francis morreu vítima de suas “informações privilegiadas”: um fim de muita
angústia!
Essa história
envolvendo as denúncias de Francis contra dirigentes da Petrobras me lembra um
conto de Machado de Assis com o título de “Suje-se gordo!”. Dois amigos
conversavam no intervalo do segundo para o terceiro ato de uma peça teatral que
versava sobre o tribunal do júri. Um dos amigos se confessou “contrário ao
júri”, “não pela instituição em si”, que considerava liberal, mas porque lhe
repugnava “condenar alguém”. Contou que, mesmo assim, “serviu duas vezes”. Na
primeira, um moço era “acusado de haver furtado certa quantia, não grande,
antes pequena” (esse tipo de crime estava, à época, sujeito a julgamento pelo
júri). Machado conta que os debates entre acusação e defesa foram brilhantes.
Mas a prova justificava plenamente a condenação e, por isso, não foi outro o
resultado.
Chamou sua atenção, no
entanto, a insistência com que determinado jurado se esforçava para que se
condenasse o réu, logo, de imediato, sem maiores discussões. O que o revoltava
era que fora “tudo por uma miséria”. E afirmava: “Quer sujar-se? Suje-se
gordo!”. O narrador não entendeu de imediato o sentido dessa expressão. Só
depois percebeu o seu (sutil) significado: “Suje-se gordo! era como se dissesse
que o condenado era mais que ladrão, era um ladrão reles, um ladrão de nada”.
O erro de Francis foi
meter-se num imbróglio em que os protagonistas seguiram à risca a recomendação
do personagem machadiano: as negociatas ultrapassariam um bilhão de dólares.
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