Casamento de arranjo
Da coluna Plural, do Novo Jornal.
Num Domingo de 1896, A Fazenda
Cajuais se enfeita para celebrar o casamento de Quinquim e Guilé. Os noivos se
conheceram naquela semana, pois o casamento fora acertado quase oito anos
antes, quando da Proclamação da República, que fez o Juiz de Martins, pai de
Guilé, retornar a Fortaleza, onde passou a morar na Rua Sena Madureira, centro
da Capital cearense.
O dia foi marcado por festa e desgraça. Logo
cedo, um garoto, encarregado de cumprir uma tarefa, põe o pé no estribo para
montar num cavalo arreado. Antes de passar o pé direito por sobre a sela, o
cavalo assustou-se com o grasnar de um ganso e partiu em disparada; arrastando,
pelo pátio frontal da Casa Grande, o menino com o pé preso ao estribo. Ao ser seguro o cavalo, o garoto jazia sem
vida.
À noite, após a celebração, um
desafeto esfaqueia outro, respingando sangue no vestido da noiva. Duas mortes
no mesmo dia. Foi assim que começou a
vida de Guilé, no sertão potiguar, após abandonar o Conservatório de Música de
Fortaleza, onde estudava piano. Tinha doze anos, quando o casamento foi
ajustado; agora, casava aos vinte anos. Quinquim completara quarenta anos.
Quinquim mantinha três outros
relacionamentos, com amantes em Viçosa, Caieira, atual Almino Afonso, e Catolé
do Rocha. Não largou nenhuma das mulheres. E Guilé fazia de conta que não
sabia.
Cada uma delas recebia,
mensalmente, uma feira de víveres, que incluía carne seca, queijo de coalho,
goma pra tapioca, farinha, feijão, arroz e rapadura. Era um segredo do
Polichinelo.
Fecha o pano. Vinte anos depois, em 1916,
morre Quinquim, aos sessenta anos. Guilé tem quarenta anos, com vinte filhos,
dez naturais e dez de criação. Para cada filho nascido, outro era criado. Além
de agregados, meeiros, vaqueiros, serviçais de casa, Cajuais era uma urbe.Viúva,
o filho mais novo com apenas um ano. Minha mãe, a penúltima, tinha três anos.
Quinquim nunca se deixou
fotografar. Não se conhece a sua face. Nesse ano de 1916, foi tirada a última
foto de João Antunes e Auta Rodovalho, com os filhos, genros e alguns netos.
Guilé está de preto, ao lado do pai. Cópia dessa foto está aqui na parede de
Cajuais da Serra e na Casa de Cultura de Martins.
Dos mais antigos do que eu, de
ouvirem dos mais antigos do que eles, soube de um episódio bem marcante a
definir o caráter de Guilé. Ela mandou emissários às três amantes do marido
finado, indagando sobre a quantidade da feira mensal. Ela decidira manter a mesma remessa, sem
alteração.
A de Viçosa, Maria Lopes, única
cujo nome eu sei, mandou a relação. E recebeu a feira mensal enquanto viveu. A
de Almino Afonso deu silêncio por resposta. A de Catolé do Rocha mandou um
recado desaforado: “Diga a ela para enfiar sua feira no rabo”. Ao saber da resposta, Guilé soltou uma
sonora gargalhada e comentou: “Era com essa aí que ele deveria ter casado”. Té
mais.
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