sábado, 29 de junho de 2013

“O professor deveria ser o profissional mais bem pago”

Competência dos municípios, o ensino fundamental não tem  cumprido o dever de casa. No Rio Grande do Norte, o  Ideb 2011 para os anos iniciais do ensino fundamental atingiu a média de 4.1 e nos finais 3.4. A secretária de educação de Natal, professora Justina Iva,  reconhece que, “a  julgar pelo resultado,  os alunos que saem da rede municipal não atendem ao aprendizado mínimo exigido”. Em entrevista  à TRIBUNA DO NORTE, Justina Iva fala da “dívida histórica com o ensino infantil”  - um dos principais gargalos da educação básica no país -, analisa avanços  em políticas públicas para implantação de programas de alfabetização, qualificação de profissionais e defende a federalização da educação básica para resolver os baixos investimentos. 

Rodrigo Sena
Justina Iva, secretária de Educação de Natal: Com a baixa remuneração, o professor fica preocupado em manter a casa, deixar os filhos, isso reflete no trabalho
Justina Iva, secretária de Educação de Natal: Com a baixa remuneração, o professor fica preocupado em manter a casa, deixar os filhos, isso reflete no trabalho

A educação básica e  profissional para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte é o tema da 17ª edição do Seminário Motores do Desenvolvimento. O MDRN é realizado pela TRIBUNA DO NORTE, UFRN, Sistema Fecomércio/RN, Sistema Fiern e Salamanca Capital Investments, com patrocínio do Governo do Estado, Cosern, Assembleia Legislativa e Banco do Brasil. O Seminário, primeira edição de 2013, será realizado no próximo dia 8 de julho, no Praiamar Natal Hotel & Convention, em Ponta Negra, às 8h. Confira a entrevista.

Como a senhora avalia a educação básica no município?

Temos escolas que caminham muito bem e outras que não conseguem caminhar. Não podemos generalizar. 

Os alunos que saem hoje da rede municipal de ensino atendem as exigências mínimas de aprendizagem?

Pelo desempenho de indicadores como o Ideb, acredito que não. Mas não dá para generalizar e dizer de péssima ou de boa qualidade a educação básica. Apesar de inseridas na mesma região em que escolas tiveram baixo desempenho, duas escolas alcançaram 5.3 e 5.5 no Ideb. Pretendo encomendar um estudo para avaliar o porquê  de escolas com o mesmo perfil,  infraestrutura física e nível de formação de professores semelhantes apresentar resultados tão distantes. Em uma a aprendizagem acontece e na outra não. 

E quais os desafios para mudar essa realidade? É problema  de gestão?

Gestão é fundamental. Mas não podemos reduzir a único fator. A inserção em área de baixo índice de desenvolvimento humano, problemas sociais, situações de riscos, nível de qualificação dos professores também influencia. Nacionalmente, pesquisas sobre o avanço do  Ideb mostram ser preciso compromisso do gestor, do corpo docente e servidores com a escola, além de gostar do que se faz e ter amor pela profissão. Em 2007, quando Acari apresentou o melhor Ideb  mesmo com menos infraestrutura que escolas de Natal, a diferença foi o envolvimento dos professores. É a coisa do amor.

Mas a baixa remuneração também reflete no desempenho...

Com certeza o professor deveria ser o profissional mais bem pago da sociedade. Com a baixa remuneração, o professor fica preocupado em manter a casa, deixar os filhos, isso reflete no trabalho. Mas os profissionais quando abraçam a profissão sabem das dificuldades e da responsabilidade pela formação do caráter de crianças e não podem justificar a impontualidade ou qualquer outro problema devido o mau salário.

Em 2003, a rede recebeu 66.588 matrículas e em 2012 o número caiu para 56.106, queda de 15,74%. Qual o motivo?

Isso se deve a proliferação da escola privada dos anos iniciais, 1º ao 5 º ano, a baixo custos nas periferias. Mas sobretudo as consecutivas greves de professores e paralisações das atividades letivas nesse período, que levaram ao descrédito da rede pública. Os pais preferiram a rede privada, pela certeza de ter aula,  de onde deixar os filhos acolhidos de segunda a sexta. Isso reduz a procura pela matrícula na rede pública. É o descrédito e o preconceito, do qual eu não comungo, de que público é sinônimo de má qualidade. Somado a redução da natalidade, o planejamento familiar é cada vez menor o número de filhos por família, um fenômeno irreversível. Os desafios enfrentados nas escolas do ensino fundamental sobretudo nos níveis finais é o desencantamento com a escola.

O que pode ser feito para tornar a escola mais atraente e eficiente? 

O que já estamos fazendo, qualificação permanente dos professores, investir em infraestrutura, manutenção nas escolas, construção de escolas, CMEIs, modernização dos sistemas,  retomar o plano de carreira dos professores.

A educação infantil ainda é considerada por especialistas, a lacuna no sistema de educação. O que está sendo feito para universalizar o acesso?

Temos uma dívida histórica com a educação infantil, que hoje é prioridade. O pacto da edução infantil e da educação básica é recente, a partir dos anos 2000. Trabalhar na perspectiva de cuidar e educar  requer um aparato bem maior do que em creches, há normatização sobre equipamentos físicos, qualificação profissional e tudo isso demanda investimentos. Hoje a educação infantil é uma prioridade. No âmbito do governo federal, há programas para a educação infantil, de alfabetização de crianças aos 8 anos e o Mais Educação. Estamos trilhando no caminho certo, porque esta é a base. O Pro-infância inovou esse ano, com a liberação antecipada de recursos per capita para alunos novos na rede, de primeira matrícula, antes só ocorriam um ano após a inserção, o que forçava o Município arcar com todos os custos. 

A rede física é precária. O que há de investimentos previstos nessa área?

Com base no censo 2010 e seguindo a determinação do governo federal, precisamos construir 31 CMEIs (Centro Municipal de Educação Infantil), até 2016. E  atender 50% de 0 a 3 anos, que não é obrigatória, até 2022. Temos  autorizados hoje pelo MEC 28 centros para construir nessa gestão. Conseguimos assegurar junto ao MEC a estruturação dos laboratórios de informática das escolas de ensino fundamental, pelo PAR. Estamos pleiteando lousas digitais, climatização, além de informatizar as matrículas da rede, por meio do sistema Sigaeduc, desenvolvido pela UFRN e financiado pelo Mec, para ter uma melhor gestão e dinâmica da matrícula, o controle para saber se tem sala de aula sem professor, o número de alunos por sala, que hoje não temos esse controle.

Qual o déeficit de professores na rede e o que está sendo feito?

Não temos déficit de educadores infantil e auxiliares de sala, são estagiários de cinco (UFRN, IFRN, Kennedy, UnP e UVA) universidades conveniadas. Já foram 382 encaminhados e a demanda só cresce. No ensino fundamental, ainda temos dificuldades. As escolas públicas têm buscado se equipar dentro do padrão físico e pedagógico  internacional. Todos os professores na educação infantil em Natal tem qualificação profissional, as escolas possuem salas adaptadas. Cerca de 80% do quadro de professores tem especialização,  formação superior e o ingresso por concurso público. 

Os investimentos dependem bastante de recursos do governo federal...

A maior parte dos programas e ações são financiadas pelo governo federal para a construção, aquisição de equipamentos e recursos per capta aluno para a merenda, e agora esse recurso de primeira matrícula,  tem a contrapartida do município com muros, calçadas e a terraplanagem. O custeio e a manutenção é com o Município. O Ensino fundamental também pode financiar pelo PAR mas é mais difícil. Tanto o Estado, quanto o município trabalham com ensino fundamental, no RN não houve o entendimento de que para cuidar melhor do ensino médio, o Estado deveria repassar inteiramente o ensino fundamental para o Município. 

Os municípios têm condições de assumir inteiramente, frente a esta dependência de recursos federais? 

Há um envolvimento dos prefeitos defendendo a reforma tributária, para que a transferência da fatia da arrecadação seja maior, uma vez que os municípios ficam com a menor, 12%. Se transfere responsabilidades e temos a maior que é cuidar da base, do alicerce, mas sem a transferência simultânea e proporcional de recursos. Há esse movimento. Esperamos também que seja aprovada a destinação dos 10% do PIB para a educação, previstos no Plano Nacional de Educação, bem como dos 100% da arrecadação com os royalties do petróleo do pré-sal. Isso promoverá uma melhora significativa, mas a longo prazo.

E a curto prazo o que o Município pode fazer?

Há boas perspectivas de investimentos a educação. Mas essa má distribuição, desigual e injusta, tem como consequência grave para o Município a remuneração dos professores insatisfatória e dificuldades para avançar. Para melhorar, a curto prazo, seria preciso que o governo federal assumisse.

Federalizar a educação básica?

Sim. Acredito que  a proposta do senador Cristovam Buarque resolveria a questão. Se o governo federal assumisse a remuneração dos professores da rede básica, assim como faz com o ensino superior, já que é quem demanda mais recursos, haveria condições dos municípios investir mais na educação e os professores serem mais valorizados, teríamos um salário único em todo o país. Hoje se paga muito mal, mas a folha é o que mais onera, 90% do Fundeb é para pagar somente professor.  Essa seria a melhor contribuição para os municípios e a educação básica do país, não somente o MEC apoiar enviando recursos de forma pulverizada. 

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