domingo, 20 de julho de 2014

Agora, o jogo é outro

Rinaldo Barros
Professor

“O problema do Japão é que eles só pensam em educação e saúde…” (Luiz Inácio Lula da Silva)
Além de perceber a falta de competitividade para com os alemães, a humilhante derrota na Copa do Mundo abre a caixa preta da nossa sociedade.
Explico: em relação à Copa, montamos um cenário de ilusão, surreal. Nossa expectativa era que a Seleção brasileira representasse a força e as virtudes, a valentia, a habilidade, a criatividade, a beleza que nós não temos em outros espaços sociais. Era uma espécie de compensação, de fuga, com base no pensamento mágico. E transferimos para a Seleção uma espécie de expectativa de solução para questões que não estamos conseguindo resolver cotidianamente. Foi cruel para com os nossos jogadores.
A questão é que, aqui no patropi, a maioria acredita que basta ter força de vontade, no campo de futebol ou na sociedade. Acreditamos que existem soluções mágicas, sem planejamento, sem disciplina, sem dedicação e perseverança, sem estudo de qualidade e sem muito trabalho. Basta ter fé.
Bastava cantar o hino à capela, abraçados; já estávamos com a mão na taça do Hexa.
Isso é muito grave. A gente vai ter que aprender e mudar com o que aconteceu na Copa.
Espero que assimilem bem a lição dada pelos alemães: o Brasil não é mais o país do futebol, já foi. O Brasil hoje é o país da corrupção generalizada, da violência crescente e da saúde precária. A realidade é essa.
O resultado da Copa dentro do campo vai influenciar a eleição? Já interferiu, desde que as obras começaram atrasadas. Já desidratou o apoio à Dilma. Ela perdeu mais de 30% de apoio num ano.
No momento em que escrevo, a tendência é que a Dilma cairá mais nas pesquisas. Essa humilhação sofrida pela Seleção inflou ainda mais o balão da insatisfação popular, já cheio com tantos problemas, desde o cansaço diário com o transporte público, obras inacabadas, insegurança, hospitais lotados, inflação, desemprego, entre tantos outros; e a depressão pós-Copa precisa ser “descarregada”, e isso ocorrerá, direta ou indiretamente.
Até porque um dos “defeitos” do nosso comportamento é procurar jogar a culpa pelos fracassos para cima de alguém. A primeira vítima foi o Felipão. E a próxima deve ser a Dilma que, claro, aposta na capacidade do brasileiro de separar o que ela mesma ensaiou juntar. “É Tois”. Lembram da foto?
O que deu certo na Copa das Copas foi mérito dos empresários (construtoras, hotéis, bares, restaurantes) e da hospitalidade natural do nosso povo, que é capaz de rir de si próprio e de driblar dificuldades.
Agora, abrem-se as cortinas para a campanha eleitoral. É outro jogo. Que não será contra a Alemanha, mas que vamos jogar contra nós mesmo. Essa será a partida mais importante da nossa história recente.
O futebol demonstra ser mais que um jogo. O futebol caracteriza-se pelo antagonismo da simplicidade com a complexidade do jogo, aonde seu praticante permite que seu entusiasmo tome conta de sua racionalidade e que, estatisticamente, é o esporte que mais possui resultados improváveis, as chamadas “zebras”.
Por isso que, para muitos, o futebol se confunde com sua própria vida.
Não pretendemos reduzir a prática do futebol à da política, como se o primeiro fosse mero reflexo da segunda. Queremos apenas demonstrar que há um equilíbrio tenso nessa relação. É histórico.
Marcados de maneira significativa pela presença de uma massa de europeus que migravam desde o final do século XIX, os primeiros clubes de futebol surgiram no Brasil no início do século XX.
Concentrados nas principais cidades brasileiras – principalmente Rio e São Paulo – esses imigrantes contribuíram direta ou indiretamente para a disseminação dos esportes em geral e para fundação de clubes esportivos, em especial de futebol: Vasco, com os portugueses; Palmeiras, com os italianos, etc.
O primeiro jogo da Seleção Brasileira aconteceu em 21 de julho de 1914, contra o Exeter City da Inglaterra. São 100 anos de história, e os resultados dentro do campo têm, sim, força de reverberar na política.
É possível perceber que há manifestações explícitas de manipulação política do futebol, procurando usar a sua força emocional como forma de dar legitimidade às ações políticas, no governo e na oposição.
Pra completar, ao longo da história, a intervenção dos interesses comerciais das redes de televisão e das empresas patrocinadoras passaram a submeter o esporte – os atletas, os clubes e a Seleção – aos interesses do mercado; e isso tudo ainda é um capítulo a ser melhor investigado e compreendido.
Por outro lado, a julgar pela lição desta Copa 2014, tudo indica que o brilho individual do futebol-arte deve dar lugar à racionalidade, à organização e ao planejamento, numa reforma profunda e dolorosa.
Resumo da ópera: É nesse contexto de dupla frustração que o brasileiro sai da Copa do Mundo mais politizada de sua história, e terá pouco tempo para curar as feridas.
Sem dúvida, buscará os “culpados” pelas três derrotas recentes (2006, 2010 e 2014), na urna eleitoral.

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