O perfil do político ideal
Por
Jô Soares
“Quero agradecer a todos
os amigos que têm se empenhado de coração para me ver candidato. Infelizmente
não posso aceitar. Sei que os adversários de sempre vão insinuar que essa minha
recusa não passa de tática eleitoreira.
Acostumado que estou à
calúnia das campanhas, não me espanta que o digam. Respondo também àqueles que
de forma melíflua espalham boatos, dizendo que de qualquer forma eu não estaria
preparado para o cargo. Mais mentiras.
Meu interesse sempre
foi tão grande que, quando governador, cheguei a propor a construção de um
centro cultural no meu Estado. Na época fui combatido pela ousadia do
empreendimento. Disseram que tudo não passava de conchavo com empreiteiros
gananciosos.
Há ainda os que me
acusam de nepotismo pelo simples fato de alguns membros de minha família fazerem
parte da minha equipe de assessores mais chegados.
Pergunto a esses que me
achincalham sem pensar nas consequências: que culpa tenho eu se o acaso quis
dotar de talento a competência exatamente essas pessoas ligadas a mim por laços
consanguíneos? Devem pagar com o ostracismo pelo simples fato de serem meus
irmãos, primos, tias e sobrinhos?
Quanto aos que me
atacam, por duvidar da minha honestidade, respondo com a minha declaração de
bens. Se às vezes me vi às voltas com processos de corrupção foi tão-somente
por excesso de confiança nos homens públicos que cercavam, estes sim,
verdadeiros responsáveis por vários desvios ocorridos durante os anos do meu
governo.
Chegaram até me chamar
de alcoólatra simplesmente por causa de inocentes coquetéis ingeridos durante
infindáveis recepções oficiais, das quais, como político, não poderia jamais
ter me furtado. Admito um ligeiro estado de euforia em algumas dessas
festividades, mas nunca devido à bebida e sim, por causa das datas patrióticas
nelas festejadas.
Quem quiser confundir
um mero escorregão provocado pela lisura do assoalho com os tropeções
desajeitados de um bêbado que o faça: sei que a História me fará justiça.
Os mais canalhas chegam
ao cúmulo de afirmar que quando eu era proprietário rural mandei eliminar meus
adversários políticos valendo-me de jagunços acobertados pelo delegado local,
homem íntegro e justo, somente acusado pelo fato irrelevante de ser meu
cunhado. A esses, não dou nem a satisfação da resposta.
Se, por coincidência,
quinze do meus inimigos mais ferozes morreram de morte violenta, só tenho a
agradecer ao cruel e merecido destino que lhes era reservado, sem que eu tenha
movido um dedo para precipitá-lo.
Finalmente, me dirijo
àqueles que, sem mais argumentos para me conspurcar com sua lama, vasculham
minha vida íntima, chamando-me de devasso. Minha esposa e companheira por mais
de vinte anos conhece a minha retidão.
Reconheço que por
deveres de Estado várias vezes tive de me ausentar do leito conjugal ao
anoitecer, mas nunca para degradar-me com prazeres ilícitos e pecaminosos e sim
para lutar de peito aberto contra os que sempre conspiraram, na calada da
noite, contra a Democracia e a Liberdade.”
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