quinta-feira, 31 de março de 2016

BICENTENÁRIO DA PARÓQUIA DE APODI

BICENTENÁRIO DA PARÓQUIA DE APODI
RETROSPECTIVA HISTÓRICA
1766 – 1966

Saudações aos que estiveram à frente dos festejos alusivos ao Bicentenário da Paróquia de Apodi, organizando, dedicando-se de forma atuante, ou de outra maneira, mas que foi importante pela participação, haja vista o sucesso absoluto alcançado no mega evento em Apodi de então.
Ano 2016, 50 anos depois. Saudações estendidas aos que, hoje, se reúnem dando continuidade à comemoração pelos dois séculos e meio de paróquia, a maior data ressaltada do calendário apodiense. De 1966 para cá, meio século transcorrido, só temos que agradecer: primeiro ao Deus pai criador de todas as coisas – louvemo-lo! Segundo, aos que pela fé, amor ao próximo e a sua terra se dedicaram a comemorar os dois séculos de existência da nossa igreja pioneira cristã e, como também, as novas gerações que perpetuam e cultuam a tradição, que se estende desde os tempos primórdios do então surgimento da Missão de São João Batista da Ribeira de Apody. Ensejo este que é de se ressaltar o significado valoroso para formação de uma sociedade cristã e, com a missão catequética, acolhimento de almas, pacificação e civilização dos nativos Paiacus, como bem preceitua as Sagradas Escrituras: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura (Mc, 16,15). A Missão evangelizadora foi iniciada, historicamente, com os abnegados padres jesuítas alemães João Guincel e Felipe Bourel, em janeiro de 1700, no local que se passou a ser conhecido por Córrego das Missões. Tudo se deve aos esforços dos primeiros sacerdotes e religiosos de fé e cumpridores dos seus ideais bíblicos. Engloba-se também frei Fidelis de Padavoli, que, em 1740, “edificou uma pequena ermida de madeira e barro, dedicada a São João Batista, ao norte da lagoa, tendo sido encarregado da construção o português Antônio da Mota Ribeiro”. Finalmente, quanto ao templo, citam frei Ângelo, missionário capuchinho, que construiu o que é hoje a nossa matriz, onde colocou a imagem de Nossa Senhora da Conceição. No dia 03 de fevereiro de 1766, dá-se a criação da freguesia (paróquia), tendo como primeiro vigário o padre João da Cunha Paiva, por providência do bispado de Olinda e Recife, D. Francisco Xavier Aranha. Para o surgimento oficialmente da paróquia de Apodi a história registra como legado pio e desprendimentos de esforços determinantes para tanto, dos senhores Antônio da Mota Ribeiro (para uns), e de Miguel Rodrigues da Silva (para outros). São tantos catequistas ordenados pela a Igreja que passaram pelas
terras de Poty/Pody/Apody e demais paroquianos de fé que só temos que reconhecê-los e prestar a justa homenagem pela brilhante e significativa obra de “Ide e fazei discípulos” (Mt. 28,19) e da comunidade se firmando, se norteando, nos ensinamentos de Deus, embora o que aqui se reverencia seja de forma singela, porém importante, para não os deixar no esquecimento! Cristãos que marcaram épocas distintas, os que já deram as suas contribuições, os que estão e os que vão dar as suas parcelas de colaboração, de modo contínuo, perpetuando a tão nobre missão do cristianismo, de viver em comunidade, de ser paroquiano. Salve paróquia, avante para o tricentenário!
Conterrâneo apodiense aqui se faz necessário, como num ato litúrgico réquiem, voltar ao passado sem olvidar os que já não se encontram entre nós, embora que postumamente nos levam a valorizá-los, merecidamente, pelas suas contribuições, pois se entende o presente, norteado pelos antepassados. Do Bicentenário são poucos que restam agora no nosso convívio telúrico, os quais é um presente glorioso ouvi-los e saber dos feitos de outrora, rememorar a maior festa que já aconteceu em solo apodiense. Foram doze dias (de 07 a 18 de dezembro de 1966), de solenidade religiosa, esportivo e cívico-cultural. Saudemos “in memorian” padre Pedro Neefs, Robson Lopes, Valter Guerra, Alcivan Pinto, Altino Dias, Holanda Cavalcante, João de Deus Gomes, Zé Cabral, Alice Pinto, Maria de Abila, João Custódio, Nenen Tonico, João de Felipe, Bugue... Seria uma lista extensa se fossem postos todos aqui, de reconhecidos e já falecidos, que ajudaram a paróquia na comemoração do bicentenário e que não cabe nominar todos aqui.
Os que se dedicaram ao bicentenário e ainda se encontram no meio de nós, muitos deles com seus bons anos vividos, relembremos: Leonildes Marcolino, Caboclo de Manú, Lalá de Adolfina, João de Toinho, Titico de Mané Pedro, Celly de Tila, Neuma de João Lucas e demais envolvidos cristãos que se congregaram, naquele ano de 1966, que viveram, presenciaram e assistiram a passagem do inesquecível evento histórico do Bicentenário da nossa paróquia.
Nossa homenagem pelos devidos reconhecimentos dos seus trabalhos voluntários – homens e mulheres, – “nordestinos de fibra e arrojo”!
Regozijemo-nos por vivermos e sermos destas terras, “deste vale tão rico daqui”, - santo precursor, mãe divina, salve a nossa paróquia!
Paroquianos, filhos da cidade (que se encontram nos recantos mais longínquos) e aos cristãos de boa vontade que amam essa terra e que dela
fazem o seu novo berço, vivendo em nossa comunidade, conclamo a participarem dos atos comemorativos dos 250 anos de existência da Paróquia de Apodi, transcorrido em 03 de fevereiro do ano em curso, estendendo-se por todo o ano, encerrando-se na festa da padroeira no mês de dezembro.
[1766, padre João da Cunha, primeiro pároco. 2016, padre Maciel, atual vigário da paróquia, entusiasta e reanimador do seu rebanho, ambos missionários que nos honram, tal qual o saudoso padre Pedro Neefs. Todos que congregam e organizam a paróquia de Apodi estão de parabéns por mais uma passagem natalícia e histórica!]

VAGAS MEMÓRIAS DOS FESTEJOS DO BICENTENÁRIO, RESENHAS QUE FICARAM:

1. Além dos festejos religiosos, tivemos o campeonato esportivo, envolvendo os times de futebol que, por sua vez, tinham presidente e rainha representativa daquelas agremiações.
a) Da ACDA, José Virgínio Câmara (?) e Vânia Guerra;
b) GRÊMIO, o mecânico Cabeleira e Arlete Gurgel;
c) CENTRO, Robson Lopes e Gizelda de Quelé, respectivamente.
Foi dito também que o time da Soledade participou deste torneio futebolístico. [Não consegui colher dados.]

2. Aconteceu um desfile com passarela montada no campo de futebol, Estádio Antônio Lopes Filho, de moças bonitas de Apodi para então ser escolhida aquela que seria a rainha do Bicentenário da Paróquia. Disputando, estavam Do Carmo, de Derim Leite, Lourdes, de João de Quincas e Neuma, de João Lucas. Dentre estas, ganhou o certame glamoroso Neuma Fernandes, ficando, em segundo lugar, Lourdes Noronha. Coroou-se e pôs-se a faixa naquela, na rainha, que doravante esteve sempre presente nos atos e festejos alusivo à grandiosa festa. Após o encerramento dos festejos, segundo aquela que foi rainha ao recordar demonstrando ar de saudades, disse: “A coroa e a faixa o padre pediu de volta...”

3. João de Toinho foi um dos que estiveram próximos de padre Pedro, colaborando. Segundo ele, no encerramento da festa do Bicentenário houve uma partida de futebol entre a seleção de Apodi e a de Mossoró, cujo jogo foi retransmitido pela Rádio Rural de Mossoró. O velho Lalá ajuda nos informes e completa: a pessoa que trouxe o
time Ypiranga, escolinha do Potiguar, foi Zoivo Barbosa (o pai de Itaércio). Ainda com João de Toinho recordando, veio a Banda de Música da Polícia Militar, de Natal, que tinha como um de seus membros o sargento Evangelista. Depois ele ficou no Apodi, sendo mestre e professor de música da banda FUNDEVAP. Titico de Mané Pedro informou que, quando essa banda esteve no Apodi para o evento dos duzentos anos da paróquia, cada músico integrante foi distribuído em casas de família do Apodi (haja vista a escassez de hospedaria comercial). Para João de Toinho a festa durou uns dez dias (oficialmente foram doze). Todo dia vinha um padre convidado das paróquias, das cidades vizinhas, para celebrar novenas, confissões e outros atos litúrgicos. Veio muita gente de fora e ressaltou ainda mais: “Foi a festa mais bonita do Apodi!”. O memorialista comentou também sobre as rainhas dos times e a do Bicentenário e também do motor (gerador de energia) que fornecia iluminação pública à cidade, da Usina de Força e Luz Municipal, que se encontrava no “prego” sem funcionar. Doutor Alcivan Pinto levou o motor para o conserto na cidade do Natal, (naquele tempo o governador do Estado era o monsenhor Walfredo Gurgel). Do retorno do motor à Apodi foi como um acontecimento apoteótico. Quando o caminhão, conduzindo o possante motor gerador, chegou ao dito local, Cancela do Posto Fiscal de Canto de Varas, da chapada, o advogado Alcivan Pinto subiu na carroceria e escanchou-se, montou-se como quem se monta em animal, e o caminhão entrou na cidade a desfilar com aquele cavaleiro vitorioso, indo até a Usina, entregar a Raimundo da Luz, que providenciou a sua instalação. Tal ato feito foi como um bravo de vitória, pois os festejos do Bicentenário se realizariam com a cidade iluminada.

4. O jovem estudante da época, Fernando de Chico Guarda, frisou importância que teve a Associação Recreativa dos Jovens Apodienses – AJA, que funcionava no prédio da FUNDEVAP, vizinho à casa paroquial. Era lá que os jovens iam se divertir com festa (tertúlias), no seu salão de dança, jogos de mesas como dama, firo, xadrez, caça varetas (palitos coloridos), banco imobiliário, ping pong etc. Além da apresentação da banda de música, diariamente, no patamar da igreja matriz sempre depois das novenas tinham a festa de rua, na frente do templo, no quadro da praça central – quermesses, com o famoso parque de diversão, bingo, com barracas de guloseimas, bebidas alcoólicas, e bancas com jogos de azar (trinta e seis, vinte e cinco, roleta etc.), para uns jogos da sorte, pois quem
ganhava apelando pela sorte ficava com um dinheirinho a mais para completar a farra da noite. No Bazar da Alegria, comidas típicas, vinte e um, bozó com as tabuinhas numeradas de acordo com os do bozó. Sem falar dos grandes leilões da festa da padroeira, já que os festejos do Bicentenário aconteciam, coincidentemente, no mês de dezembro com o da festa da padroeira, Nossa Sra. da Conceição.

5. Para comemorar o Bicentenário antecipadamente foi feita uma vasta programação e constava a edificação de um monumento defronte à matriz, no local onde existia o velho cruzeiro. Lalá, de boa memória, contou essa história, acompanhada de uma boa risada ao se lembrar que o dentista Bugue foi uma peça importante na construção do monumento, pois foi quem trabalhou voluntariamente na estrutura de cimento armado do citado esqueleto de ferro daquela estrutura comemorativa dos duzentos anos. No entanto, diante do esforço do dentista, o povo dizia, como troco recebido, que “Bugue estava era interessado nos cobogós do velho cruzeiro!”. Pois não é que o arteiro da armação de ferro do monumento, depois de tudo, construiu sua própria casa no centro da cidade e parte dos cobogós estava lá visivelmente aos olhos dos linguarudos. A outra parte, na casa do senhor Geraldo Pinto.

6. Ainda como um legado simbólico para posteridade do bicentenário, foi feito o hino do bicentenário. Para tanto, recorreu-se ao excelente compositor, o padre Alberto Manoel Azêvedo, autor da letra, e ao seminarista Silvio Milanez de Medeiros, que externou a bela melodia do hino, fazendo com que quem a ouvisse nunca esquecesse. Enfim, nunca recebeu a quantia monetária pelo trabalho realizado, ficando a sociedade apodiense com essa dívida eterna. Em 1966, eu tinha apenas cinco anos de idade. Ainda tenho de memória o hino do bicentenário! O compacto, disco de vinil, com o hino do Bicentenário se encontrava na residência do senhor Tião Lúcio, onde cheguei a ouvir várias vezes na radiola, sob os cuidados da sua filha Dodora.

7. O diretor da Rádio Rural de Mossoró era o padre Américo Simonetti. Essa emissora sempre esteve presente nos festejos da paróquia de Apodi, cobrindo apresentações no patamar da igreja e concursos da mais bela voz.

8. A população de Apodi em 1966 era de 19.166 habitantes. Desse total, apenas 4.000 na área urbana. Eu já era importante naquela época por servir de dado estatístico para contagem do contingente, um apodiense com apenas cinco anos de idade.

9. Padre Pedro Neefs ficará na história de Apodi não só como um sacerdote abnegado, mas como um cidadão que soube reconhecer, valorizar e alavancar as riquezas desse solo tão rico daqui. Ele sempre dizia que “os apodienses vivem sobre uma riqueza adormecida”. Alguma rua, praça ou qualquer logradouro é merecedor de tê-lo com seu nome, por justa homenagem.

10. O bispo da diocese de Mossoró era dom Gentil Diniz Barreto. Foi ele que publicou uma mensagem ao povo de Apodi, na primeira página do jornal A Ordem, edição comemorativa do Bicentenário, com data de 10 de dezembro de 1966, dando as benções e felicitações, com o ponto alto do seu discurso aos comparoquianos. Antevendo o futuro, assim disse: “Fazemos votos para que no decorrer do tri-centenário possa a paróquia do Apodi preparar um acervo de serviços pastorais, onde os leigos possam ter a alegria de terem inculcados a presença da Igreja em todos os setores da vida dos que fazem a comunidade de Apodi.”
Decerto, o vigário de então da paróquia, o honorável padre Pedro Neefs, era o referencial do seu discurso, pois o sacerdote tinha incorporado esses princípios, pois o seu trabalho em Apodi já era de reconhecido mérito.

11. Naquele período do Bicentenário, o tesoureiro da agremiação de futebol Centro Esportivo Apodiense era o comerciante Nenen Tônico. Lalá relata que o tesoureiro dava feiras mensais aos jogadores Fifio e a Cacimbão, duas feiras extras no seu orçamento, do seu bolço. Nenen no auge da dor da traição queixou-se ao dizer:
- Fiz dois negros de homens e eles fizeram de mim um cachorro!
Os dois craques iscariotes tinham passado para ACDA em troca de terem o direito de adentrarem ao recinto do clube ACDA, de fato, coisa para época de encher o ego de qualquer um com menos condições financeiras. Com isso, fez com que o pacato e sereno comerciante se exaltasse ao extremo por deixarem o seu time desfalcado. Ego preenchido, barriga vazia. (Lalá no bar do Luá, Apodi, 08 e 09 de janeiro de 2016).

12.Antecedendo a grande festa do Bicentenário da Paróquia de Apodi, na chegada do padre Pedro Neefs, isso mais ou menos em meados de 1964, foi feita uma solenidade de recepção em que foram convidadas várias autoridades, ou melhor, pessoas notáveis da cidade para se fazerem presentes e assim receber e dar boas-vindas ao recém-chegado padre de naturalidade holandesa e, concomitantemente, à
apresentação dos apodienses, o locutor Valter Guerra, ao microfone ia anunciando os nomes dos presentes, tecendo comentários sobre a atividade profissional daquela pessoa. O primeiro foi o próprio locutor, que se autoapresentou como fiscal recenseador do órgão público federal IBGE e, nas horas vagas, tocador do instrumento de sopro clarinete. Tudo bem, tudo verdade. Em seguida, identificou o renomado professor Robson Lopes, mestre educador do ginásio Antônio Dantas. Frisou ainda que o novo padre tinha alguém no Apodi para uma conversação no idioma inglês. Passou para o próximo, o Caboclo de Manú, este como mestre artífice das construções e homem dedicado às obras da paróquia. Depois, o locutor prosseguiu, apresentando o comerciante e fazendeiro Nenen Tônico e, sucessivamente, os farmacêuticos Nenen Holanda e João de Custódio, os alfaiates Titico de Mané Pedro e Albercir Pio de Sousa. Referenciou Lalá, que se fazia presente, como o grande leiloeiro das festas da igreja e ajudante braçal da paróquia, João de Toinho, membro da família tradicionalmente religiosa – os lúcios – trabalhador auxiliar de mestre de obra, Alice Pinto baluarte da paróquia, por ser organizadora dos festejos religiosos, Maria de Abila, tabeliã do cartório, fervorosa religiosa, e as professoras Ivone Maia e Maia Do Carmo Maia, diretora da LBA. Enfim, diante de tantos comentários realistas, chegou a vez de Altino Dias. O locutor, já um tanto exausto, por falar e procurar adjetivos para seus comparoquianos, apresentou-o simplesmente como sapateiro. Só que, inesperadamente, quebrando o ritual protocolar, Altino se pôs de pé e remendou o anunciado do locutor:
- Sapateiro não, pistonista!
Lá pras tantas do ato receptivo, o padre já se sentindo em casa, mas com a erudição europeia, diletante da boa música e das sinfonias, predispôs-se a ouvir aqueles instrumentistas, que tanto fascinavam seus ouvidos. Chegou a pedir que o ajudante paroquial Lalá fosse pegar o clarinete para Valter executar algumas melodias, exibindo seus dons musicais. Como bem sabia, assim o fez merecedor de aplausos. O padre parece que não ficou satisfeito só com uma apresentação. Sugeriu convidá-lo, interessado em ouvir também aquele que se apresentou como pistonista. Mas Lalá, conhecedor dos dotes musicais de Altino, foi duro no esclarecimento dos fatos com a sua linguagem rasteira:
- Padre Pedro, Altino só sabe tocar aquilo com a mão!
O exímio tocador mesmo de piston era o irmão Aurino e Lalá, primo deles, se sentiu à vontade para falar o que deu na cabeça. Embora arrependido pelo dito, o velho Lalá, se abriu num largo sorriso ao relatar o fato, depois de tanto tempo.
Contado por Lalá em dezembro de 2016.

13.A festa do Bicentenário da paróquia de Apodi foi muito bem organizada, o sucesso deveu-se a equipe e suas ideias, uma delas era onde tinha um filho de Apodi, residindo em outra cidade ou estado, padre Pedro, quando conseguia o endereço remetia-lhe carta/convite.
Fotografia do acervo de João Paulino Neto (1966). Veem-se Dr. Alcivan Pinto e Dr. Lacy Gadelha em solenidade do Bicentenário no Estádio de Futebol Antônio Lopes Filho. Ao fundo, algumas das rainhas, provavelmente do Bicentenário e/ou dos times de futebol.

PADRE PEDRO NEEFS FOI PARA APODI MAIS DO QUE UM SACERDOTE, MAIS DO QUE UM PREFEITO, POIS O LEGADO É IMENSO E DE VALOR, TANTO DE CUNHO RELIGIOSO QUANTO NO SÓCIO-CULTURAL!

P.S.: Para elaborar o presente texto, o autor conversou com João de Toinho, Titico de Mané Pedro, Lalá de Adolfina, Fernando de Chico Guarda e William Guerra. Também fez leitura do jornal A Ordem, do Bicentenário, de 10 de dezembro de 1966.

Natal, 17 de janeiro de 2016
Nuremberg F. de Sousa (Nurim de Bugue).

domingo, 13 de março de 2016

Contra quem?

O golpe é contra você


O golpe não é contra Dilma. Não é contra Lula. Não é contra o PT. O golpe é contra os 54,3 milhões de votos que elegeram a presidenta em eleições livres e limpas. O mandato presidencial a eles pertence. Caso a agressão à soberania popular promovida pelo golpe se concretize, eles é que serão cassados.
Por Marcelo Zero*, no Brasil Debate
O golpe é contra os 54,3 milhões de votos que elegeram a presidenta em eleições livres e limpas. O mandato presidencial a eles pertence. Caso a agressão à soberania popular promovida pelo golpe se concretize, eles é que serão cassados.
O golpe é contra os 42 milhões de brasileiros que ascenderam à classe média, nos últimos 13 anos. É contra os 22 milhões de cidadãos que deixaram a pobreza extrema para trás. É contra as políticas sociais que praticamente eliminaram a miséria no Brasil. Miséria histórica, atávica, contra a qual os representantes do golpismo pouco ou nada fizeram, quando governavam.
O golpe é contra um processo de desenvolvimento que conseguiu tirar o Brasil do Mapa da Fome. Fome secular, vergonhosa, que os golpistas nunca conseguiram saciar. O golpe é para colocar o Brasil no Mapa da Vergonha.
O golpe é contra a igualdade e pela desigualdade. Os que apostam no golpe também apostam na desigualdade como elemento essencial para o suposto bom funcionamento da economia e da sociedade. Eles apostam na meritocracia dos privilégios.
O golpe é contra a valorização do salário mínimo, que aumentou 76,5%, nos últimos 11 anos. O golpe é pelos salários baixos para os trabalhadores, pois, para os golpistas, salários reduzidos são essenciais para o combate à inflação e a competitividade da economia.
O golpe é contra a geração de 21 milhões de empregos formais, ocorrida nos últimos 12 anos. Quem aposta no golpe aposta num nível de desemprego mais alto, para reduzir os custos do trabalho. Aposta também na redução dos direitos trabalhistas, na terceirização e na volta da precarização do mercado de trabalho.
O golpe é contra a Petrobras e pela Petrobax. O golpe é contra a política de conteúdo nacional, que reergueu nossa indústria naval e reestruturou a cadeia econômica do petróleo. O golpe é contra a nossa maior empresa e tudo o que ela simboliza. O golpe é pela privatização e pela desnacionalização.
O golpe é contra os programas que abriram as portas das universidades brasileiras para pobres e afrodescendentes. O golpe é contra o ENEM e pelo vestibular. O golpe é pela manutenção da educação de qualidade como apanágio para poucos. O golpe é pela privatização do conhecimento. O golpe é contra as novas oportunidades e pelos antigos privilégios.
O golpe é contra o SUS e o Mais Médicos, programa que leva assistência básica à saúde a mais de 60 milhões de brasileiros que antes estavam desassistidos. O golpe é contra a saúde pública e pela mercantilização da medicina. O golpe é contra médicos cubanos e pacientes brasileiros. O golpe é pela doença que rende lucros. O golpe é uma patologia.
O golpe é contra a política externa ativa e altiva. O golpe é contra a soberania e por uma nova dependência. O golpe é contra o Mercosul e a integração regional. O golpe é para desintegrar a projeção dos interesses brasileiros. O golpe é para nos alinhar aos interesses das potências tradicionais. O golpe é contra o grande protagonismo que o país assumiu recentemente. O golpe é para nos apequenar.
O golpe é contra uma presidente honesta e pelos corruptos. O golpe é contra o governo que mais combate a corrupção. Que multiplicou as operações da Polícia Federal de 7 por ano para quase 300 por ano. Que fortaleceu e deu autonomia real a todas as instituições de controle. Que engavetou o engavetador–geral. O golpe é contra as apurações e pela impunidade. O golpe é contra a transparência e a verdade. O golpe é um engodo ético e moral. O golpe é cínico e hipócrita. O golpe é uma grande mentira.
O golpe é contra o futuro e pela restauração do passado. A única proposta do golpe é o golpe.
O golpe é contra a esperança e pelo ódio, para o ódio. O golpe é intolerante. O golpe é mesquinho.
O golpe é contra a grande nação e pela republiqueta de bananas.
O golpe é contra a democracia. Contra o Brasil.
O golpe é, sobretudo, contra você.
*É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).

Em defesa da democracia

Um convite ao bom senso
Flávio Dino, governador do Maranhão

Mudanças impostas à força no Brasil sempre resultaram em grandes desastres. O exemplo mais recente foi o golpe civil-militar de 1964, que prendeu, exilou, perseguiu e torturou brasileiros, sem amparo em regras legais. Ao contrário disso, o Brasil avança quando maiorias são construídas nos marcos do Estado de Direito, mediante diálogos e consensos progressivos, sem rasgar regras constitucionais.
Rasgar princípios e regras, a pretexto de uma luta política momentânea, abre as portas para jogar-nos novamente no imprevisível. A pretendida solução de um impeachment sem base constitucional não seria um ponto final, mas o marco zero de um longo ciclo de vinganças, retaliações e violência política, que arrastaria a economia para uma depressão ainda maior.
Seria um caso único no presidencialismo no Planeta: um Chefe do Poder Executivo ser afastado sem ter pessoalmente cometido qualquer crime no curso do mandato; e afastado sob a liderança de políticos que, eles sim, respondem a processos criminais. Nem Kafka, nem Marx, nem Hegel escreveriam um roteiro tão "criativo".
Chegamos na beira do precipício com uma gravíssima crise política. Recentes ações atabalhoadas de alguns promotores são sintomas institucionais de preocupante descontrole geral, em que tudo pode acontecer. Não teremos um "vencedor" nesta guerra. É preciso que todos os lados envolvidos sentem-se para dialogar tendo à mesa o futuro do país.
Do lado da oposição, é preciso entender que, por maior que seja a ânsia de retornar ao poder, o momento marcado na Constituição para esse debate será outubro de 2018. Do lado do governo, é preciso apresentar uma agenda clara de retomada do crescimento econômico, que supere a crise que vivemos com conseqüências alarmantes para o emprego e qualidade de vida de milhões de brasileiros. Essas soluções não passam por um “ajuste fiscal” que consome metade dos recursos da União com pagamento de juros. É preciso reduzir os juros e retomar programas de crédito direcionado, como o “Minha Casa Minha Vida”.
Fora do mundo político, é preciso que as elites econômicas também assumam a responsabilidade sobre o clima de beligerância criado. Atualmente, a crise só tem servido a bancos, que em meio a uma queda de 3,8% do PIB viram seus lucros crescer 15% chegando à somatória de quase R$ 50 bilhões em lucro – apenas considerando as três maiores empresas privadas do setor. São os seus interesses de manutenção dos juros altos que levam à crise recessiva. Com a recessão instalada, os bancos defendem que é preciso aumentar juros para atender ao "mercado", mantendo o círculo vicioso. Ou seja, querem um Brasil em que somente 1% da população ganha, passando por cima dos interesses e direitos dos demais 99%.
As grandes empresas de mídia do país também devem ter consciência do papel decisivo que desempenham neste momento. A onda de pregações delirantes e boatos sobre intervenção das Forças Armadas mostram a gravidade do quadro. Não vale a pena destruir a democracia por interesses momentâneos. Sempre se deve lembrar que o princípio da ação e reação atua também na história.
Na guerra de todos contra todos, sobressai o mais forte. E com certeza, no mundo em que vivemos, esse não é o interesse do cidadão comum. É preciso retomar o diálogo sério para encontrar soluções aos males que realmente afligem o país, como o subfinanciamento da saúde pública, os casos de Zika, a crise econômica, o desemprego, a mobilidade urbana. Toda forma de corrupção deve ser combatida, mas segundo o devido processo legal, conduzido com serenidade, prudência, sem a paixão pelo espetáculo.
Será vergonhoso para o País chegar a agosto de 2016, na abertura de um evento que celebra a união dos povos, os Jogos Olímpicos, no clima de conflagração interna que vivemos. Só o diálogo pode salvar a Nação de momentos ainda piores.

[MÍDIA CORRUPTA] A maior de todas as corrupções

Por Venício A. de Lima, na Carta Maior
“Se as palavras servem para confundir as coisas é porque a batalha a respeito das palavras é indissociável da batalha a respeito das coisas”. Jacques Rancière, O Ódio à Democracia, Boitempo, 2015.
A geração do pós Segunda Grande Guerra se lembrará de que, na metade do século passado, crescemos sendo educados sobre a grande ameaça que pairava sobre o mundo ocidental cristão: o comunismo ateu.
Em tempos de Guerra Fria, sob a tutela dos interesses da política externa dos Estados Unidos, o
comunismo vermelho transformou-se na encarnação do mal na Terra, o inimigo comum a ser combatido. Era isso o que aprendíamos em casa, na escola, no catecismo da igreja, no rádio, nas revistas infantis, nos jornais e nos filmes “de guerra”.
Na minha mineira e barroca Sabará, circundada por dezenas de igrejas Católicas do ciclo do ouro colonial, mais tarde cidade operária de movimento sindical forte, a mera suspeita de que alguém pudesse ser simpatizante comunista bastava para que se criasse um estigma social como se esse alguém fosse portador de doença contagiosa, a ser evitada a qualquer custo.
Com a vitória da Revolução Cubana, o inimigo comum ficou mais próximo e ainda mais perigoso: o comunismo e, claro, seus seguidores, os comunistas subversivos.
A oposição política ao Getulismo herdado pelo presidente João Goulart, democraticamente eleito, materializou o anticomunismo na luta sem tréguas contra a ameaça que seu governo representava de “vir a ser” controlado por comunistas.
A narrativa pública sobre essa ameaça e a necessidade inadiável de defesa da democracia “antes que fosse tarde demais” foi sendo consolidada. Um vocabulário específico foi costurando a nova linguagem que aprisionou o pensamento de vastas camadas da população com o protagonismo ativo da “Rede para a Democracia” que reunia diariamente em todo o país emissoras de rádio e jornais dos principais grupos de mídia da época: Os Diários Associados, O Globo e o Jornal do Brasil.
Não se constituiu exatamente em surpresa, portanto, quando na reta final para o golpe civil-militar de 1964, setores, sobretudo, da classe média urbana, saíram às ruas para defender os valores e tradições cristãs, o mundo livre e a democracia, para combater o inimigo comum, o comunismo e os subversivos comunistas.
A corrupção, sim, a corrupção aparecia apenas como uma coadjuvante do inimigo principal na narrativa publica dominante.
Deu no que deu. Em nome do anticomunismo, da democracia e em defesa dos valores cristãos, o país padeceu 21 longos anos de ditadura.
Mais de meio século depois, um novo inimigo comum - A Guerra Fria acabou (?). O comunismo
deixou de ser o inimigo comum do Mundo Livre, do Ocidente Cristão. Lyndon B. Johnson não é mais presidente dos EUA e nem Lincoln Gordon seu embaixador no Brasil. Os militares brasileiros se dedicam às suas missões constitucionais. As Torres Gêmeas foram atacadas em Nova Iorque. O mundo se globalizou.
Muita coisa mudou, mas a exigência de um inimigo comum para garantir a identidade e a coesão ideológica de uma posição política (ou de um grupo) continua mais atual e necessária do que nunca.
O terrorismo e o islamismo – ou o terrorismo islâmico – passaram a ocupar o lugar de inimigo comum que antes pertencia ao comunismo no cenário internacional, a partir do início do novo século.
Entre nós, mais recentemente, o comunismo foi substituído por um velho e conhecido inimigo, coadjuvante nos idos de 1964: a corrupção da coisa pública e, claro, os corruptos.
Hoje, mais do que ontem, os oligopólios privados que controlam o que chega ou não ao conhecimento público – vale dizer, que controlam o espaço onde se forma a opinião dita pública – detêm o poder de definir a linguagem dentro da qual se enclausura a construção do inimigo comum.
Hoje, mais do que ontem, a definição do significado de cada uma dessas palavras – o que constitui corrupção e quem são os corruptos – faz parte essencial da própria disputa pelo poder.
A novidade entre nós, nos últimos anos, talvez seja a participação militante de setores do Judiciário que, seletivamente, escolhem qual corrupção devem investigar, e quais os corruptos devem ser julgados e condenados. Tudo com a colaboração ativa e decisiva da grande mídia e de seu vocabulário e linguagem uniformes.
O resultado de todo esse processo – que já presenciamos – é um país dividido ao meio, intolerante e
cheio de ódio.
A corrupção é hoje o que o comunismo foi nos tempos de Guerra Fria. E os corruptos foram sendo seletivamente definidos como sendo apenas os petistas, filiados, aliados ou apenas simpatizantes do Partido dos Trabalhadores. Combater o petismo e tirar os seus líderes do poder – mesmo que tenham sido democrática e legitimamente eleitos – ou impedi-los de tentar, democraticamente, voltar ao poder – foi aos poucos se constituindo na prioridade de vastas parcelas da população.
A memória coletiva, infelizmente, é curta. Muito curta. A maioria dos brasileiros talvez não saiba ou não se aperceba que os anos passam, mas as estratégias e os mecanismos de luta pelo poder se repetem e, muitas vezes, perpetuam os mesmos grupos e os mesmos interesses: a maior e mais antidemocrática de todas as corrupções é a corrupção da opinião pública.
Talvez um dia a História (com H maiúsculo) revele a todos os brasileiros o que de fato está a acontecer no Brasil de 2016.

Memorial da Democracia - Um museu das lutas democráticas do povo brasileiro

Blog do Prof. Ozamir Lima - Designer: Segundo Freitas