domingo, 3 de janeiro de 2016

FORMIDÁVEL APOLINÁRIO


“O Gênio de Apodi”

Não é de hoje, todavia já se ouviu falar de seres humanos com mentes formidáveis, pelo mundo a fora. Foram, ou são, homens cultos, cientistas, inventores e até cidadãos comuns com raciocínios rápidos e acumuladores de informações descomunais. Mentes fenomenais que se perpetuam na história pela importância que tiveram dentro do seu meio intelectual e, ou, científico.

O Apodi foi contemplado com desses raros possuidores de mentes extraordinária, o único, o inigualável, é o que se pode comprovar, até o dia de hoje, não apareceu outro! Veio para a fama o apodiense que logo tão cedo externou dotes intelectuais fora do comum, isso num tempo em que pouquíssimos estudantes que despontavam nos estudos, na capital, quebrando barreiras ao passarem no dificílimo vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, da área médica, como: Francisco Câmara (Chiquinho de Joel), José Nilson Câmara (Zé Nilson de Josué) e Getúlio Maia no curso de medicina; Nilson Guerra (filho do escritor Valter Guerra) e Eronildes Tôrres, na odontologia, já este cursou em Manaus; Moésio Holanda, medicina, Fortaleza e algum outro na universidade de agronomia, de Mossoró e no curso de Direito, Natal e Ceará. Contavam-se nos dedos os filhos de Apodi que estudavam fora para serem doutores, com canudos e anéis de formatura. Orgulho para a família e para cidade, também.

Apolinário ou Paulinho como era mais conhecido, nos anos setenta, do século XX, quando o Apodi era uma pequena cidade tranquila e sem vislumbrar prosperidade, ele fez com que despertasse a admiração ao elevar, conjuntamente com o seu sucesso, o nome da cidade esquecida. Apodi deixou apenas de ser um ponto no mapa do Rio Grande do Norte, pois se comentava por todos os cantos e se lia nos principais jornais impressos: o gênio de Apodi, o superdotado de Apodi, mente prodígio, o agricultor-gênio apodiense que não frequentou banco escolar... 

É de se perguntar já que ele era inteligente e porque não prosperou na vida, não chegou cursar uma faculdade, não se formou em grau de doutor? A resposta é simples, porque ele mesmo viveu no seu mundo cercado de rudeza. Apolinário teve suas origens na zona rural de Apodi, no seio de uma simplória família carente, analfabetos, de agricultores e conviveu no povoado sítio Boa Vista entre pares sem instruções e na extrema ignorância. Talvez se encontre justificativa pela característica intrínseca de ter sido temperamental e, de certo modo, considerado de incivilidade por alguns, já por ter sido contundente em suas respostas insípidas quase sempre subestimando os seus interlocutores por não encontrar sintonia com o seu raciocínio.  Não frequentou bancos escolares, mas segundo o seu irmão Antônio de Carvalho (de apelido O Padre), nos primeiros nove dias de sua vida escolar repudiou a escolinha de ensino primário já por achar que a professora não sabia o suficiente, o que se lecionava, ele, já sabia de tudo. Não encontrava ressonância para troca de saberes à altura do seu intelecto. Apolinário abandonou desde então o ensino oficial e continuou adquirindo seus conhecimentos, como autodidata, devorando revistas, enciclopédias, livros e mais livros com leituras dinâmicas, incansáveis. Tinha uma facilidade incomensurável de assimilar, captar e explicar o que lia de forma extraordinária. Se distinguindo, logo cedo, dos demais, contemporâneos seus. Apolinário era ávido por leituras, não podia ver compêndios ao seu alcance que folheava e o lia ligeiramente, comprimindo os olhos, semicerrados, como se estivesse procurando as letras e absorvendo em sua mente o que se via nas linhas e nas entrelinhas. Apolinário nunca aprendeu a escrever, redigir, corretamente o seu idioma pátrio. Uma de suas caraterísticas era ler em voz alta gesticulando os lábios. Conta-nos o médico Francisco Câmara, na época acadêmico de medicina, que certa noite, em Natal, na Residência Universitária de Medicina, casa 8, da UFRN, quando o Apolinário esteve acomodado como hóspede por lá, ao ver um volumoso livro de traumatologia, de um colega, pegou-o e deteve-se a lê-lo varando a noite, ao bater a capa do livro por ter lido por completo já sob a luz clara da matina.  O sábio de Apodi era tão viciado em leitura que vez por outra aparecia no Posto Fiscal de Canto de Varas, da Secretaria da Fazendo do Estado, tão somente, com o objetivo de passar a noite a ler os últimos livros adquiridos pelo fiscal renda de plantão, o senhor Carlos Freire; lembrou o senhor Toinho Monteiro em conversação sobre Apolinário. Ainda sobre teste, submetido por autoridades da cidade, Apolinário também passou pelo crivo do padre Pedro Neefs e do promotor de justiça Jarbas Martins quando lhe foi dado livro para se fazer a leitura com o intuito de posterior interrogatório sobre o mesmo, fato que aconteceu se folheando aleatoriamente páginas e, para cada pergunta se tinha resposta, Apolinário comentava o assunto referendado deixando o pároco e promotor pasmados – ele sabia de tudo!  Memorizou o mano Haroldo Ferreira de Sousa. 
 
Como sempre, o “santo de casa não faz milagre”, ou melhor, não recebia as merecidas considerações, na cidade com a maioria da população composta por pessoas iletradas viam Apolinário como uma pessoa de comportamento estranha e até como louco; já na minoria, como superdotado; poucos eram os que o valoriza. O acadêmico de medicina de então, Chiquinho de Joel, nos períodos de férias era frequentador, de toda tarde do dia, da farmácia do senhor Holanda Cavalcante, homem este conhecido na cidade por ter vastos conhecimentos, tanto sobre doenças, de remédios a medicar, como da história em geral, um paramédico que gente estudada da cidade frequentava a sua botica para salutares confabulações que envolvia um pouco de tudo. Assim, o acadêmico de medicina, o escritor Valter de Brito Guerra e outras figuras letradas se faziam presentes e lá, era ponto de encontro do admirável Apolinário. Foi a partir daí, que se deu a descoberta das potencialidades de Apolinário e o convencimento de persuadi-lo para ir a capital do Estado, onde atingiu o auge por dar entrevistas e participar de debates respondendo perguntas de conhecimentos gerais, na ponta da língua, inclusive, até sendo recebido na residência oficial do governo do estado potiguar, pela primeira dama, dona Aída Cortez. Tamanho era o prestígio de Apolinário que o até hoje, o insuperável governador do Rio Grande do Norte, Cortez Pereira, persona culta, que estava para além do seu tempo, também o admirava, inclusive, doou-lhe “muitos livros que os quais ele conhecia o conteúdo de todos ”, ressaltou a irmã Irene Maria de Carvalho. 
 
No mesmo período do sucesso na capital, em Mossoró, Apolinário também deu show de conhecimentos quando se submeteu a participar de programa da emissora Rádio Rural de Mossoró, à uma roda composta por homens intelectuais que lhe testava os seus conhecimentos e, o gênio apodiense, aduzia com argumentos consistentes à bateria de questões. Do mesmo modo em Natal, na Televisão Universitária, Programa Xeque-Mate, diante de sábios e estudantes bem preparados do curso de jornalismo a inquiri-lo, respondeu à todas perguntas de modo convincente e satisfatórias “não deixou de responder uma pergunta”, pelo reconhecimento, como quem recebe troféu ao subir ao pódio, não é que todos que se faziam presentes, o “aplaudiram de pé”, frisou doutor Francisco Câmara. Apolinário fez o maior sucesso em Mossoró e em Natal, mesmo sem ser cantor, ator e jogador de futebol, reconheceram e ovacionaram àquela mente brilhante.

Hoje, quem sabe, por falta de mentes portentosas a imprensa chega a batizar, indevidamente, até jogador de futebol por – Fenômeno. Tal epíteto, de acordo com a sinonímia, cai perfeitamente para o nosso saudoso – Apolinário, já pôr esse termo significar: “fato de interesse científico e que pode tornar-se objeto de experiência ou de estudo. Pessoa ou coisa que se faz notar por seu caráter anormal ou surpreendente”. O Paulinho da Boa Vista, alcançou esses requisitos, pode-se compará-lo com algo mais, pois foi o nosso primeiro computador humano em um tempo em que não se ouvia falar de tal máquina, pois Apolinário era detentor de uma memória invejável, como se diz no linguajar tecnológico de hoje, parecia possuir chip com capacidade de vários gigabytes. Foi um verdadeiro armazenador de sabedoria.

Outro dia, numa reunião matinal de amigos assíduos, na calçada da residência de Adonias filho, Apodi centro, presenciei Apolinário a fazer cálculos mirabolantes, de cabeça, com numerais com casa dos milhares, baseado numa matéria científica de certa revista sobre a calvície, de acordo com média mencionada e outros dados numéricos chegou a calcular o número de cabelo de um ser humano normal, em questão de segundos. Elaborava cálculos mentalmente com resultados precisos e rápidos que só se faria, pessoas normais, usando da calculadora.

Surpreso com a elevada inteligência, o repórter da Tribuna do Norte, para o qual Apolinário era entrevistado (matéria publicada, 24.06.1973), em véspera dele participar do programa Xeque-Mate, fez uma ressalva referente a uma pergunta capciosa, mal formulada proposital (?), “Paulino é capaz de, sem nem usar a ponta do lápis, fazer potências e frações, raiz quadrada, etc. No momento em que dava esta reportagem um dos presentes solicitou para que ele elevasse 5 a sétima potência. Pois muito bem não elevou, como continuando com a conversa, sentiu que a potência elevada não corresponde a sétima, e sim a oitava depois de entrar noutro assunto totalmente diferente”. Assim o sábio agricultor se saia categoricamente de situações inesperadas lhe impostas propositalmente ou não. Reformulando as perguntas errôneas e respondendo-as sem se titubear. Pela sua cultura e inteligência, ainda o repórter diz, “calcula-se que o ‘QI’ dele seja um dos mais elevados e tendo participado de um teste psicológico na UFRN com duração 4 horas.”

Vez por outra, se via-o a perambular pelas redondezas de Apodi, a pé, feito retirante solitário, com chapéu de palha e só com a roupa do corpo. Percorria por estradas e veredas visitando fazendeiros e demais sitiantes, se auto convidando às refeições, como também, para pernoitar. Apolinário gostava de uma rede, embora desapegado da higiene diária contemplava-se com a prática do ócio, sem sombra de dúvida foi um adepto contumaz da filosofia aristotélica.
Apolinário Ferreira de Carvalho, nasceu no sítio Boa Vista município de Apodi em vinte e três de julho de mil novecentos e trinta e um, era filho de Vicente Ferreira de Carvalho e Maria Angélica da Silveira. Faleceu em seis de fevereiro de dois mil e onze com oitenta anos de idade, vitimado pela mazela do câncer prostático. Com o seu desaparecimento no meio de nós, perdeu-se um apodiense que fez registro histórico nos anais da imprensa escrita e televisiva norte-rio-grandense, foi-se também uma mente de talento.

O gênio de Apodi jaz, juntos aos restos mortais dos seus pais, em uma cova modesta no cemitério do povoado Malhada Vermelha, zona rural de Severiano Melo-RN.
Nesse exato momento, cumprindo etapas em outra dimensão, livre das doenças sem curas... espera-se que o tenha redimido de suas posições ateístas, assim sendo, quiçá esteja vagueando como um bom samaritano por todos os recantos do céu, como bem ele gostava de fazer por estas bandas das terras, daqui.

Natal, 19/12/15.
Nuremberg Ferreira de Sousa









     

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