domingo, 14 de agosto de 2016

Uma anistia para os políticos?

Já se sabe, em Brasília, que a proposta de colaboração premiada da Odebrecht, que será feita pelo ex-presidente Marcelo, preso há 14 meses, e outros 50 executivos, atinge pelo menos 35 senadores. Além disso, na semana passada, ao depor no Supremo Tribunal Federal, o delator Júlio Camargo, ex-representante da Toyo Setal, afirmou ter ouvido do próprio Eduardo Cunha que o presidente afastado da Câmara sustentava nada menos que 200 deputados.

Portanto, se os números estiverem corretos, nada menos que 43% do Senado Federal e 39% da Câmara dos Deputados estariam prestes a se tornar alvos de novos inquéritos no STF caso as delações das empreiteiras e do próprio Cunha venham a se confirmar. É nesse contexto que dois movimentos sincronizados surgiram na semana passada. O primeiro, o de adiar para as calendas a cassação de Cunha no plenário – o que já deve ficar para novembro. O segundo, o de se lançar o balão de ensaio sobre a anistia aos políticos.

Para que essa ideia seja levada adiante, sem que desmoralize todo o esforço de combate à corrupção ocorrido nos últimos anos, a ideia é fazer uma distinção entre caixa dois eleitoral e propina disfarçada de doação eleitoral. Assim, todos os políticos do listão da Odebrecht e de Eduardo Cunha ficariam no capítulo do caixa dois, o que seria considerado um "crime menor", passível de anistia. A propina como doação eleitoral ficaria nos ombros do PT, que pagaria, sozinho, por todos os pecados do chamado “petrolão”.

Essa tese, no entanto, dificilmente irá prosperar. Na semana passada, logo depois que o ministro Gilmar Mendes abriu um processo que pode levar à cassação do registro do PT, a ministra Maria Thereza Moura, do Tribunal Superior Eleitoral, fez o mesmo em relação ao PP e ao PMDB, partidos que também ocuparam diretorias da Petrobras e se beneficiaram de doações feitas por fornecedores da companhia. Como os fatos são idênticos, Gilmar autorizou as investigações.


Além disso, mesmo nas doações para o “caixa dois” dos políticos, sejam eles os 200 deputados de Cunha ou os 35 senadores da Odebrecht, a origem dos recursos seriam os contratos superfaturados das empreiteiras. Isso significa que os parlamentares podem até tentar legislar em causa própria, mas terão que, antes, combinar com os russos, como diria Mané Garrincha. Ou seja: com o Ministério Público Federal e o com o povão, que dificilmente engolirá uma proposta de perdão à classe política.


LEONARDO ATTUCH


Joaquim Barbosa: "aquilo foi uma encenação"

“Hoje é o dia mais dramático para o país em 30 anos”. Foi assim que o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa abriu sua palestra para empresários, horas depois de encerrada a votação do Senado que tornou a presidente Dilma Rousseff ré no processo de impeachment. Ele disse que nem quis  acompanhar a sessão, que definiu como “sessão de conchavo”. E mais ainda:

 - Aquilo ali era uma pura encenação para justificar a tomada do poder.

Embora não tenha pronunciado a sigla PMDB, desqualificou o partido de Temer e apontou a ilegitimidade de seu mandato caso seja efetivado no cargo.

- Vão colocar no  governo alguém de um partido que nunca ganhou uma eleição presidencial. Vão  colocar alguém que sequer um dia poderia ter tido o sonho de disputar uma eleição para presidente da Repúbica. O Brasil, anotem, vai ter que conviver por mais de dois anos com esta anomalia.

Para Barbosa, Dilma não soube combater a corrupção mais foi afastada por acusação que não constitui matéria para impeachment e, as pedaladas e os decretos orçamentários. Criticou ainda a  ligeireza do processo.

- Meu temor é este, o de que se torne fácil, banal, trivial, de agora para a frente, tirar um presidente da República do cargo. Basta que ele contrarie os interesses de meia dúzia de parlamentares poderosos.

O eleitor, o cidadão, disse ele, não foram chamados a participar da solução para a crise política, o que teria sido possível se Dilma e Temer, no momento em que a crise se afigurou grave, tivessem renunciado para possibilitar a realização de novas eleições presidenciais.


- Sou radicalmente favorável à convocação de novas eleições  para presidente da República – disse Barbosa, insuspeito de simpatias pelo PT.

O "Fora Temer" e a censura nas Olimpíadas

Protestos

Torcedores foram expulsos de arenas após protestos contra o presidente interino; para juristas, medida fere direito à liberdade de expressão
por Débora Melo — 

 Carta Capital
 “Se você se manifestar com uma faixa ‘fora Temer’, vamos pegar a faixa”. Foi assim que um agente de segurança do estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro, iniciou uma discussão com dois torcedores que assistiam à partida da seleção brasileira feminina de futebol contra a China, na quarta-feira 3. “Dentro do estádio não pode”, disse o funcionário, conforme vídeo que circula na internet.
Protestos contra o presidente interino Michel Temer (PMDB) têm sido reprimidos nos Jogos Olímpicos, e alguns manifestantes chegaram a ser expulsos das arenas. No sábado 6, ao acompanhar uma prova de tiro com arco, um brasileiro foi retirado do Sambódromo por agentes da Força Nacional de Segurança. Motivo: um controverso grito ‘fora Temer’.
No mesmo dia, um grupo de 12 torcedores que assistia à partida de futebol feminino entre França e Estados Unidos teve de se retirar do estádio Mineirão, em Belo Horizonte, após um protesto: além de pedir a saída de Temer, o grupo exibiu letreiros nos quais se lia “volta, democracia”, em inglês (“come back democracy”).
Na noite de segunda-feira 8, o juiz federal João Augusto Carneiro Araújo, em resposta a um pedido do Ministério Público Federal contra a União, o Estado do Rio e o Comitê Organizador da Rio 2016, concedeu liminar proibindo a repressão e a retirada de manifestantes, liberando manifestações pacíficas durante o evento.
Antes da decisão, outros casos de repressão foram relatados pela imprensa e nas redes sociais, e o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Organizador da Rio 2016 anunciaram que não irão tolerar cartazes de caráter político. “Queremos arenas limpas”, afirmou Mario Andrada, diretor de comunicação da Rio 2016. Vaias, gritos e cantos estão liberados. "Se isso não fosse aceito, metade do Maracanã teria sido esvaziado [na abertura dos Jogos]." Sobretudo nos poucos segundos nos quais Temer assumiu o microfone.
Em nota divulgada nesta terça-feira 9, o COI informou que possui um regra "em vigor há muitos anos" que sustenta que os jogos não devem ser politizados. Segundo o COI, a regra 50 da Carta Olímpica "tem como objetivo separar esporte de política, honrar o contexto dos Jogos Olímpicos e garantir a reunião pacífica de atletas, dirigentes e espectadores de diferentes culturas, crenças e origens". 
O Comitê Rio 2016 informou nesta terça-feira que vai recorrer, mas a decisão do juiz federal será respeitada enquanto não houver mudança, e os protestos estão liberados.
A determinação das autoridades olímpicas também se baseia na lei 13.284, que dispõe sobre as medidas relativas aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. A lei, que foi sancionada por Dilma Rousseff no dia 10 de maio – dois dias antes de seu afastamento pelo Senado –, diz em seu artigo 28º que é proibido “portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação”, bem como “entoar xingamentos ou cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos”.
Em outro parágrafo, contudo, o texto diz que “é ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana”. O trecho está de acordo com a Constituição de 1988, que garante aos brasileiros a “livre manifestação do pensamento” (artigo 5º, parágrafo IV).
A lei aprovada em maio não faz qualquer menção a protestos “políticos”. Para a professora Eloísa Machado, da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito – São Paulo, manifestar reprovação política não caracteriza ofensa, e a lei está sendo interpretada de maneira “irresponsável, ilegal e inconstitucional”. “É uma violação à liberdade de manifestação e de expressão no Brasil, um tipo de censura aplicada aos jogos”, afirmou, em entrevista aCartaCapital.
De acordo com a professora, o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu) – do qual ela faz parte – entrará com uma ação na Justiça Federal de São Paulo para garantir a liberdade de expressão na partida das quartas de final do futebol feminino, marcada para a próxima sexta-feira 12 na Arena Corinthians (Itaquerão). “Estamos preparando neste momento uma ação judicial para evitar que uma pessoa que queira ir ao jogo seja proibida de se manifestar”, disse.


As expulsões de torcedores ganharam destaque na imprensa internacional. Reportagem publicada no domingo pelo diário norte-americano The Washington Post relata que “os Jogos Olímpicos enfrentaram uma nova polêmica neste fim de semana – e desta vez não foi sobre segurança, zika ou águas poluídas, mas censura”. O The New York Times, por sua vez, afirma que as expulsões “alimentam o debate sobre os limites da liberdade de expressão” em um País que passa por um período de “extraordinária agitação política”.
Especialistas consultados pelo site de notícias jurídicas Justificando também afirmam que o veto à manifestação política é inconstitucional. “É evidente que pode [protestar]. Qualquer coisa diferente disso é ditadura”, disse o historiador Salah H. Khaled Jr.professor de Ciências Criminais da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Para Márcio Sotelo Felippe, procurador do Estado de São Paulo, as medidas são reflexo de um autoritarismo crescente no País. “É estado de exceção. A Constituição de 1988 não existe mais.”
Decisão do STF
A proibição de protestos em estádios foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2014. Na ocasião, os ministros analisaram um recurso do PSDB que questionava a restrição a cartazes e bandeiras nas arenas prevista na lei 12.663/2012, a Lei Geral da Copa.
Por 8 votos contra 2, o STF entendeu que a proibição era legal. Apesar de ter votado pela legalidade do dispositivo, o relator do processo, Gilmar Mendes, registrou em seu voto que “é preciso ter a visão” de que autoridades públicas estão sujeitas a vaias e protestos, o que não pode ser confundido com ofensa.
“De fato, é preciso que nós tenhamos também certa compreensão do que se diz no estádio, que a gente saiba que ali se empregam expressões figuradas. Ao chamar um juiz de ladrão, ninguém, de fato, está imputando ao juiz uma dada falta, senão a de que ele errou no lance. É preciso ter essa compreensão, como as vaias e os apupos também dirigidos a autoridades, às vezes, de maneira muito mais enfática, a rigor, também não são ofensas de caráter pessoal, elas são apenas manifestações de desacordo. Portanto, é preciso ter essa visão”, afirmou Mendes.
Para Eloísa Machado, o Supremo foi claro na sua defesa à livre manifestação. “O que a Lei Geral da Copa tentava evitar era justamente um tipo de ofensa de cunho discriminatório, um episódio de racismo, como nós infelizmente já tivemos nos estádios do Brasil”, diz.
"O artigo analisado é praticamente idêntico ao da Olimpíada, e a decisão não restringe o direito à liberdade de expressão, pelo contrário, protege a liberdade de expressão e de manifestação, impedindo aquilo que a nossa Constituição já impede, ou seja, racismo e xenofobia. Então, nesse sentido, o 'fora Temer' e o 'fora Dilma' não seriam conteúdos ofensivos, mas manifestações políticas", conclui a professora.


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