sábado, 1 de fevereiro de 2014

A seca é um carma?

Em artigo no O POVO deste sábado (1º), o médico, antropólogo e professor universitário Antonio Mourão Cavalcante fala da seca que assola o Nordeste há séculos. Confira:
Estamos em plena seca. As fotos diárias, nos jornais, tentam registrar a morte esperada. Morte do gado, das criações. De sede. Do tudo seco. Esturricado.
Impossível não lembrar aquele berro rouco, gutural. Era a vaca mais velha do curral de meu avô! Ela veio se arrastando, quase nem mais andava. Balançava aquela armação de ossos. Carcaça. Chegou bem em frente ao alpendre e soltou aquele longo gemido… Ainda hoje ecoa em minha mente. O desespero daquela rês, num grito apelo. Quase morrendo. Garoto, eu vivi. Era 1958. Seca braba.
Não havia estradas. O sertão era só abandono. Lugar distante. Mas as filas de retirantes caminhavam em direção à cidade grande. Iam inchar a periferia da capital. Ser pedintes nas ruas e semáforos.
Depois, voltei a ver esse mundo nos filmes de Glauber Rocha. No Cinema Novo. Em Antonio das Mortes. Denúncia. Mas, o Brasil estava construindo Brasília. Abríamos caminhos rumo ao Brasil Central. Falávamos na Era do Desenvolvimento. Os mais velhos acreditavam na gestação de uma nova nação. Juscelino veio inaugurar o Orós. Nesses passos de democracia, partimos para as reformas de base… Não foram concretizadas. Ocorreu um grande aborto. Os sonhos foram adiados e caiu uma longa noite sobre nós.
Agora, depois que fizemos as pazes com a democracia – do jeito que foi possível! – era de esperar que a geração de governantes tivesse mais sensibilidade e resolvesse, sem grandes complicações, estes problemas que atravessam séculos. Qual o quê!
Esquecemos a transposição do rio São Francisco. Parou. Do tal Cinturão das Águas restou só projetos em papel… E tantas outras mentiras eleitorais. Começaram foi a construção de um aquário para turista ver peixinhos. Ou o frenesi em torno da Copa do Mundo: temos que aprender a falar Inglês!
E a seca dizima o sertão mais uma vez. Metade do gado do Ceará morreu nestes últimos tempos de estiagem. Cidades sem abastecimento de água. Carros pipa contaminados. Doenças epidêmicas começando a aparecer.
Tempos antigos x tempos modernos. A mesma dor. A mesma tragédia… Ainda falamos de seca. Até quando?

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