sábado, 27 de setembro de 2014

Lançamento de livro causa muita polêmica e irrita deputados federais

Livro "Nobre Deputado" revela como funciona o esquema de desvio de verba pública na politica brasileira

Livro-Nobre
Um livro esclarecedor da realidade da vida política de um deputado federal com atuação no Congresso Nacional em Brasília. É assim que pode ser definido “O Nobre Deputado – Relato chocante (e verdadeiro) de como nasce, cresce e se perpetua um corrupto na política brasileira”, do juiz Marlon Reis, lançado nesta sexta-feira em Natal.
Num texto fácil, direto, esclarecedor – e estarrecedor -, o autor lança luz sobre as falhas do sistema político brasileiro, sobretudo as brechas por onde escorrem verbas públicas que deveriam servir exclusivamente para o bem comum, mas que, na prática, terminam alimentando o caixa de campanhas eleitorais e fornecendo comissões a uma cadeia de políticos – geralmente prefeitos e governadores.
O livro também aborda os esquemas de compra de apoio político de lideranças, como são identificados e aliciados os cabos eleitorais, e explica o porquê do custo absurdo das eleições brasileiras. “O resultado de qualquer eleição brasileira já está definido muito antes do encerramento da votação. A vontade do eleitor individual não vale nada no processo. O que conta é a quantidade de dinheiro arrecadado para a campanha vencedora, que usa a verba num infalível esquema de compra de votos. Arrecadou mais, pagou mais. Pagou mais, levou. Simples assim. Claro que a arrecadação se dá por expedientes muito distantes da legalidade e de qualquer noção de lisura”, escreve o magistrado, já na introdução da obra.
Segundo Marlon Reis, que escreveu “Nobre Deputado” após realizar uma série de entrevistas com políticos e participantes do esquema que utiliza emendas parlamentares inseridas no Orçamento Geral da União para abastecer caixas de campanha, “as entrevistas desvendam o comprometimento do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas com uma gigantesca máquina que vicia todo o processo eleitoral do Brasil de forma assustadoramente eficiente”.
O livro é dividido em duas partes. A primeira intitula-se “De onde vem o dinheiro”. Nela, o autor desvenda o político brasileiro, fala sobre o assalto ao orçamento, destrincha como os convênios são usados para desviar dinheiro público, aborda as licitações viciadas, os assuntos privados e agiotagem na política. Na segunda parte, o foco é “Como converter dinheiro em votos”, onde explica que “todo mundo tem seu preço”, a importância do cabo eleitoral, que é quem decide a eleição, quem realmente tem poder nessa relação (quem pede e quem manda e quem ameaça), além de como se dá a compra de voto e também o mito do voto secreto.
De acordo com o autor, os deputados atuam em Brasília para inserir emendas no OGU. Paralelamente, atuam junto a prefeitos e presidentes de entidades que irão receber os recursos destinados às obras. Todos são cientes de que parte dos recursos será destinada às obras. Outra parte, geralmente 20%, vai para o deputado. É uma forma de remunerar o parlamentar pelo trabalho. Afinal, encartar uma emenda não é fácil, dá trabalho, e depois tem que lutar pela liberação do recurso. E mais: o deputado precisa do dinheiro para se reeleger. Como ele vai continuar destinando emendas para prefeituras e associações se não conseguir se reeleger? Então, todos entendem e participam do esquema. É assim que acontece.
GRANDE FARSA
A grande farsa eleitoral brasileira é o tema do livro. Através de um personagem, Cândido Peçanha, “um deputado eleito democraticamente” para representar o povo do seu Estado, o autor inicia uma série de revelações, descobertas por meio de conversas com políticos, agenciadores, prefeitos, lideranças políticas, cabos eleitorais, presidentes de fundações, e revela: “A política é movida a dinheiro e poder. Dinheiro compra poder, e poder é uma ferramenta poderosa para se obter dinheiro. É disso que se trata as eleições”.
Em vários momentos, Cândido Peçanha conversa direta e francamente com o leitor/eleitor: “Saiba que você não faz diferença alguma quando aperta o botão verde da urna eletrônica para apoiar aquele candidato oposicionista que, quem sabe, possa virar o jogo. No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de dinheiro. O jogo é comprado. Vence quem paga mais. Sempre foi assim, e sempre será, pois os novatos que ingressam com ilusões de mudança são cooptados ou cuspidos pelo sistema”.
No relato do modo de operação do esquema, O Nobre Deputado faz conhecer as fontes que abastecem as campanhas eleitorais. “Elas são muitas, porém vou me ater às mais importantes: as emendas parlamentares, os convênios celebrados entre os governos e as licitações fraudulentas”.
ASSALTO AO ORÇAMENTO
Logo no segundo capítulo, destaca-se o assalto ao orçamento geral da união. E resumo, revela como uma quantia destinada a obras públicas servem também para somar recursos para a conta particular dos prefeitos e multiplicar o caixa do partido. “Com um bom contador, conhecimento do sistema, influência e contatos certos, o parlamentar encaminha habilmente para o seu caixa de campanha parte do dinheiro que arrecada para distribuir benesses em sua base eleitoral. Quando bem feita, essa operação não atrai a atenção de ninguém e é aprovada pelos tribunais de conta”, diz.
O Nobre Deputado relata que, geralmente, um parlamentar tem ligado a ele duas ou três fundações, para as quais destina emendas parlamentares. Além disso, no Estado, cada deputado tem de 15 a trinta municípios administrados por aliados. As emendas parlamentares, então, são destinadas a esses municípios ou fundações, para construção de postos de saúde, compra de ambulância, construção de escolas e creches. Para cada obra, pelo menos 20% vai para o caixa dois do deputado.
Ou como diz o deputado fictício Cândido Peçanha: “As emendas são a chave da próxima eleição. É o nosso financiamento público de campanhas. Ao definir o orçamento, nós já fixamos as verbas que irão parar em nossas entidades e nas prefeituras amigas. Desde a elaboração da emenda, cada detalhe é pensado para que o dinheiro possa mais tarde ser destinado a alguma prefeitura ou instituição que receba essa quantia, ciente do compromisso assumido. Precisamos ter certeza de que uma parte significativa do dinheiro das emendas retornará para a nossa campanha eleitoral”, revela.
Marlon: “Dinheiro compra poder, e poder é uma ferramenta para se obter dinheiro”
Não faltou polêmica após o lançamento do livro “Nobre Deputado”, que já pode ser considerado um marco na discussão sobre corrupção no país, e um divisor de águas quando se trata do tema. Manifestos favoráveis da sociedade de um lado, debates públicos no meio, e irritação dos deputados de outro. O Congresso Nacional entrou com representação junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o magistrado.
Na época, o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, afirmou que a casa deveria processar o autor e pedir reparação. A representação contra Reis no CNJ diz respeito apenas à sua conduta como magistrado. “Marlon Reis achacou a honra de 513 deputados com suposições, como se todos fôssemos responsáveis pela conduta de um parlamentar que não identifica quem seja”, ressaltou o parlamentar.
A mesma linha foi adotada por vários deputados que criticaram o livro. “A publicação traz acusações gravíssimas. Esse juiz não pode destruir a imagem do Parlamento dessa forma”, disse o líder do DEM, o deputado pernambucano Mendonça Filho. “Deveríamos pedir direito de resposta contra isso”, também reclamou Fernando Ferro (PT-PE).
Além de escrever o livro, Marlon Reis é autor do projeto de lei da Ficha Limpa e coordena o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que recolhe assinaturas para a apresentação ao Congresso de um projeto de reforma política.
Apesar das críticas, as revelações de Reis receberam declarações de apoio por parte de vários profissionais. “Reis é um magistrado comprometido com a moralização das eleições, marcadas por abusos e uso indevido dos meios de comunicação, em benefício de candidatos, inclusive, com veiculação de pesquisas tendenciosas. Ele é o Montesquieu do mundo contemporâneo por sua luta por um processo eleitoral sem corrupção”, frisou o advogado Djalma Pinto. “É uma obra que tira a última máscara da velha política e com isso evidencia a necessidade de uma mudança estrutural no Brasil”, completou o juiz Douglas de Melo Martins, atualmente coordenador do programa de mutirões carcerários do CNJ.
REPERCUSSÃO
O trabalho foi divulgado numa reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, que usou um ator representando um personagem fictício, o deputado Cândido Peçanha, criado pelo juiz para o livro. Na avaliação de muitos deputados, o personagem mostrou uma visão generalizada dos parlamentares, dando a entender que todos agem da mesma forma.
“Foi abuso e ataque explícito ao parlamento por parte de um magistrado. É nosso dever fazer alguma coisa”, bradou o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). “As diversas alusões traduzem exercício impróprio do direito de informar sem possibilitar o direito de defesa, vilipendiando a imagem do Congresso.”
“A intenção não foi generalizar, mas mostrar como agem os parlamentares que adotam tais práticas”, rebateu Reis. “Minhas críticas são dirigidas à parcela dos deputados que se elege por meio do desvio de recursos públicos e do abuso do poder econômico, não à Câmara dos Deputados como instituição central para a democracia”, acentuou Marlon Reis, destacando que não tem receio de uma representação no órgão de controle do Judiciário.
“Estou há mais de 17 anos na magistratura sem qualquer menção negativa nos meus apontamentos funcionais. Como juiz só me pronuncio nos autos, mas como cidadão, professor, autor de diversos livros e pesquisador acadêmico tenho e exerço o direito à liberdade científica. Meu objetivo foi revelar como o poder transforma dinheiro em poder”.
No Rio Grande do Norte, o trabalho de Reis recebeu a adesão do juiz eleitoral Herval Sampaio, que conjuntamente com o autor de Nobre Deputado lançou seu livro “Abuso de Poder nas eleições” esta semana em Natal.

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