quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Vilão e herói muçulmanos

Existe sempre o risco de se achar, por generalização e preconceito, que em cada muçulmano se esconde um terrorista

Zuenir Ventura
Em momentos de comoção e revolta como os deste pós-massacre em Paris, em que há sempre o risco de se achar, por generalização e preconceito, que em cada muçulmano se esconde um terrorista, vale a pena ressaltar o caso dos dois personagens que se destacaram pela semelhança e pela oposição durante a turbulência da semana passada, desnorteando os que julgam pela aparência, ou seja, os que ainda acreditam na teoria lombrosiana, segundo a qual os traços físicos indicam as tendências criminosas ou o “potencial delitivo” de uma pessoa.
Para o polêmico criminologista e antropólogo italiano Cesare Lombroso (1835-1909), cor, conformação do crânio, ossos da face, maçãs do rosto proeminentes, queixos protuberantes, maxilares grandes são características determinantes para a definição e periculosidade de um malfeitor.
“Mais insensíveis à dor”, os criminosos teriam também preferência por tatuagens nos ombros, peito e braço (o que ele diria dessa moda hoje?). As ideias de Lombroso gozaram de grande prestígio na época, inclusive no Brasil, onde teriam influenciado o Código Penal de 1940, aquele que criou a justiça dos três “pês”: “preto, pobre e puta”.
Os dois personagens a que me referi são negros, mulçumanos e, fisicamente, muito parecidos entre si. A diferença é a que separa o mal do bem. Amedy Coulibaly, de 32 anos, foi o terrorista que, com os irmãos Kouachi, participou da chacina dos cartunistas do “Charlie Hebdo” e, depois, invadiu uma mercearia kosher, matando quatro reféns e ferindo outros quatro.
Morto pela polícia, Amedy era um delinquente de cuja folha corrida constavam numerosos assaltos a mão armada, roubos com agressão e tráfico de drogas. Quando esteve preso em 2005, converteu-se ao Islã radical e filiou-se à al-Qaeda, do Iêmen.
Já o outro, Lassan Bathily, de 24 anos, nascido no Mali, teve papel decisivo, demonstrando coragem e sangue frio diante do perigo. Ele era funcionário do mercado judaico e percebeu quando o local foi tomado por Amedy Coulibaly.
Em vez de se omitir ou facilitar a ação homicida do seu colega de religião, Lassan abriu a porta do porão para que cerca de 15 clientes judeus entrassem e se escondessem. Em seguida, desligou o congelador e apagou a luz. Depois que a polícia retomou o local e matou Coulibaly, os reféns, à medida em que eram resgatados, agradeciam comovidos ao mulçumano salvador. Seu nome foi logo parar nas redes sociais, aclamado como herói — o único personagem da tragédia a receber esse título.
Santuário de Caaba, que fica no pátio da Mesquita de Al-Haram, em Meca, na Arábia Saudita  (Foto: Divulgação)Santuário de Caaba, que fica no pátio da Mesquita de Al-Haram, em Meca, Arábia Saudita (Imagem: Divulgação)

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