domingo, 28 de junho de 2015

Gestão e congestão

O que os governos prometem é executado? Esta tem sido a maior crítica feita ao governo Dilma: o fato de que mentiu na campanha, usando, hoje, um programa que seria mais condizente com propostas dos tucanos. Tem sentido? Sim. Na verdade, o marketing de sua campanha eleitoral exibia um país sem crises e com amplas possibilidades de crescimento. Mas o discurso de campanhas é um misto de simulação e dissimulação: promessas mirabolantes, abordagens simpáticas, cenários de progresso, vida feliz para todos.
A política, como tenho destacado, é puxada pela locomotiva da economia. Dilma foi levada a crer que governaria um país sem crises, confiando nos bons rumos da economia. Depois de eleita, as coisas começaram a dar erradas. A marolinha prevista por Lula se transformou em tsunami. Com Lula, o naufrágio não ocorreu, mas ele também não cumpriu todas as promessas.
Vejamos. Luiz Inácio foi eleito sob o signo da mudança, a palavra-chave que abriu seu discurso em 1º de janeiro de 2003. Dilma foi eleita sob a promessa de continuidade da era Lula, com ênfase nos programas de distribuição de renda.
Lula pedia aos seus ministros mais ação e menos discurso, menos divergência, mais criatividade e menos queixa de falta de verba. Batia de frente no modelo de gestão capenga que domina a administração pública federal e que ele próprio ajudou a entortar com a ampliação exagerada de ministérios e secretarias. Dilma estendeu a rede.
O que se vê hoje? Um desequilíbrio entre a hiperatividade parlamentar (o Congresso está proativo) e a lerdeza da burocracia governamental. A economia, atravancada, paralisa os canais burocráticos.
Obras paralisadas, repasses de recursos atravancados, atrasos no cumprimento de decisões, pouca motivação e disposição de burocratas, falta de sinergia, confusão de competências, receio de ministros de tomar decisões e ausência de controles convergem para estabelecer as bases do império da inércia – são alguns dos sinais expressos pela atual administração.
Veja-se a questão de ocupação dos espaços a serem ocupados por perfis indicados por partidos da base aliada. Continuam na retranca, à espera de decisão. Sob a crescente insatisfação da base governista.
A reforma na administração, de caráter endógeno, seria a grande lição de casa a ser feita nesse momento em que o governo se esforça para aprovar seu pacote fiscal. Se a máquina fosse mais enxuta, lubrificada e ágil, o Governo ganharia aplausos e aumentaria sua credibilidade junto à socieda­de, garantindo o impacto que reformas mais complexas, como as da pre­vidência e tributária, só alcançarão no longo prazo. Esta decisão da Câmara de conceder correção para as aposentadorias, ao contrário da linha de austeridade, apenas acelera a corrida do país no caminho no despenhadeiro.
A crise de governabilidade, tão proclamada quando dela se faz uso para justificar a necessidade de se promover o ajuste fiscal e tributá­rio, tem um forte componente na esfera da execução das políticas públicas, na incapacidade de fazer valer as leis e no descumprimento das decisões mais altas.
A herança patrimonialista do Estado brasileiro e o sentido cartorial que ainda inspira padrões burocráticos encontram reforço nos quadros partidários, que confundem espaços públicos com territórios privados, loteados entre políticos.
Há mais de 20 mil cargos comissionados na administração federal, a maior parte ocupada por pessoas sem preparo e expressão. A maior parte delas integra as hostes petistas a que Lula se referiu quando diz que elas “só se interessam por cargos”. Ou seja, estamos perpetuando o conceito de capitanias hereditárias.
Sob esse quadro desalentador, não há como estabelecer controles adequados para fiscalizar a aplicação de recursos e menos ainda garantir a continuida­de de programas administrativos. E assim o país navega ao léu, somando os custos da descontinuidade, do desperdício, do tráfico de influência e da improbidade administrativa. Daí a importância do amplo processo de investigação a que é submetido na atual quadra.
A máquina governamental é um exemplo da distorção. Trata-se de uma cabeça agigantada com um corpo debilitado. Trata-se de um arremedo de Proteu, o deus marinho, que tinha forma extravagante, daí sendo associado ao homem-elefante, com sua cabeçorra.
O modelo de gestão é inadequado a um ciclo que recomenda racionalização, enxugamento, síntese e convergência.Tempestividade, resultados, mérito são conceitos inexistentes no vocabu­lário da administração.
A avaliação de um governo é feita por meio de quatro campos de viabilidade: o político, o econômico, o social e o organizativo. O equilíbrio entre eles é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações programáticas.
O governo Dilma acumulou, no primeiro momento, força descomunal, mas não soube transformá-la em ferramenta de eficácia da gestão. A administração deixa escapar a condição de usar o poder como “capacidade de fazer com que as coisas aconteçam”, como ensina Bertrand Russel. Os furos se expandem nos quatro cinturões do governo.
A área política é um território semeado de tensões e pressões, que levam à instabilidade. A área econômica tenta, com a ajuda do coordenador político, Michel Temer, aprovar o pacote fiscal. O campo social sofre com o desemprego e a inflação crescente. A administração mais parece uma colcha de retalhos.

Gaudêncio Torquato
É jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter @gaudtorquato



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