domingo, 13 de setembro de 2015

“Fizemos pouco para conviver com a seca”

Hudson Helder
Chefe de reportagem

Euzébio Maia de Souza é criador de gado leiteiro há quase 50 anos no município de Santo Antônio, na região Agreste potiguar. A experiência de vida, e de manejo na agropecuária, proporcionaram a sobrevivência em meio às adversidades ocasionadas pelas estiagens. Mas os últimos cinco anos de seca — o mais severo ciclo dos últimos 100 anos, segundo especialistas para o semiárido do Nordeste —, e principalmente a falta de políticas públicas de convivência com o fenômeno da natureza lhe trouxeram uma certeza: dias piores estão por vir para o homem do campo. A seca, para este agropecuarista e tantos outros milhares do semiárido nordestino, é tão real quanto a falta de perspectivas de soluções. “Perdi metade do meu rebanho em 2013 — cerca de 500 reses. Ela (a seca) sempre existiu, e fizemos pouco para conviver com o que a natureza oferece”, afirma. Na experiência talhada pelo tempo, Euzébio Maia aponta caminhos e desnuda uma parte da vida do agropecuarista norte-riograndense em entrevista à TRIBUNA DO NORTE. As recorrentes estiagens, segundo o empresário, só não são tão graves quanto a ausência de medidas práticas que historicamente deixaram de ser adotadas para mitigar os efeitos da falta d'água. 

Hudson Helder
Criador de gado há 50 anos no RN fala sobre prejuízos com a seca, mudanças no Programa do Leite e o endividamento dos produtores rurais
Criador de gado há 50 anos no RN fala sobre 
prejuízos com a seca, mudanças no Programa
 do Leite e o endividamento dos produtores rurais

Na entrevista, Euzébio Maia critica a falta de união entre as lideranças políticas e empenho dos gestores para compor um cenário menos sofrido àqueles que sobrevivem do que o campo oferece. No campo, os criadores estão endividados e com o rebanho reduzindo a cada ano de estiagem e o Programa do Leite, após a reformulação, precisa ter essas novas regras revistas, segundo ele, sob pena de inviabilizar a participação dos produtores. 

Eis a entrevista:


Qual sua avaliação quanto à situação da agropecuária no Estado diante desses cinco anos de seca?

A seca é nociva a todos os setores estabelecidos no contexto econômico do Estado. Mas sabemos que ela realmente acontece, e não há como deixar de reconhecer sua existência. Ela tem se repetido, mas nos últimos anos ocorre de forma muito cruel, e dizimando todo o poder econômico constituído pelo cidadão ao longo de algum tempo e com muita dificuldade. Vem sendo de forma tão cruel, que vem acabando com os rebanhos e a agricultura, esta já sem existir mais no Rio Grande do Norte. Há dois anos, em 2013, perdi uma quantidade bem substancial de gado. Infelizmente, a seca existe e temos que encontrar uma forma de conviver com ela, sob pena de mais cedo ou mais tarde sermos obrigados a desistir de sermos empresários rurais. Não podemos enxergar apenas sob a ótica da realização de obras — absolutamente necessárias —, mas políticas continuadas. Não é a seca, por si, que deveria causar tantos danos. É a forma de lidar com ela, que infelizmente não avançamos durante todo esse tempo.

Maioria desses efeitos decorre mais da escassez das chuvas, ou da falta de políticas públicas?

A seca, como disse, ocorre por motivos alheios à nossa vontade. Não temos como evitar. Agora, a falta de políticas públicas que venham realmente a permitir maior tranquilidade dentro da convivência com os períodos de seca, isso sim é triste. Falta boa vontade e empenho dos nossos políticos para se unirem e procurarem lá fora, junto ao Governo Federal, os meios que nos permitam conviver com essas secas. Deixamos chegar ao ponto de não termos sequer água para abastecimento humano, por falta de políticas públicas, investimentos e engajamento político também. Todos os políticos sabem e falam nas soluções, mas depois esquecem, e cada um vai cuidar do próprio interesse.

O Programa do Leite passou, recentemente, por mudanças. Era o momento certo para isso, e as mudanças são adequadas ao cenário da pecuária leiteira do Estado?

A intenção do Governo em fazer algumas modificações no programa foi certa, procurando fazer o de melhor e com os meios mais adequados para a continuidade do programa do leite. Acontece que  existem cláusulas fora da realidade. Por exemplo, o problema da aquisição do leite, prevendo que seja todo adquirido no Rio Grande do Norte. Até aí é tudo muito certo e justo, como forma de ajudar o criador que acreditou no programa do leite e constituiu seus rebanhos. Mas um outro aspecto não contemplado. A quantidade de leite, estabelecida através do decreto, para continuar comprando por dia e distribuindo através das usinas, é um volume que seria dividido em duas etapas. Cinquenta por cento dessa produção seria adquirida aos pequenos produtores — os pronafianos; e acho absolutamente justo, até como forma de dar condições ao pequenininho de também sobreviver. Mas acho difícil, realmente, é encontrar essa quantidade de pronafianos porque há uma limitação dentro da própria condição de um pronafiano ter essas quantidades. Ele pode entregar até 26 litros/dia. Em um programa de 80 mil litros de leite de aquisição diária, metade a ser adquiridos a pronafianos e 40 mil litros a outros produtores, naturalmente precisaria de uma enorme quantidade desses pequenos produtores. Pode ser até que exista essa quantidade no papel — a Emater tem uma relação e um cadastro, e pode até ter listada essa quantidade de pronafianos no papel, mas não acredito que tenha essa quantidade de leite [40 mil litros/dia] para atender a essa demanda. Indo para o campo, certamente que vamos encontrar alguns desses pequenos produtores que obtiveram o crédito via Pronaf, mas ao invés de comprar a vaca, compraram uma motocicleta. O que aparece no papel pode não existir no campo.

Então essa cota de 50% do leite vindo dos pequenos criadores o senhor considera alta?

É uma quantidade, ao meu ver, muito alta para o nosso Estado. Se ele, o pequeno criador, não tem a vaca, não há como ter leite. E pode ter a vaca, mas sua produção não ser suficiente. É uma quantidade alta de leite. Até mesmo os assentamentos, pois conhecemos alguns e sabemos que não se produz um litro sequer de leite. Infelizmente, é a verdade. Isso preocupa muito. O governador, através do diretor da Emater, terão que verificar essa situação. Acredito que eles vão examinar, reexaminar e convocar esse povo para saber se realmente tem ou não essa quantidade de leite. Do outro lado, os 50% restantes que seriam adquiridos aos produtores, só podemos vender às usinas até o limite de 0,5% do total do leite que aquela usina tem como cota-parte de leite para venda ao Governo do Estado. Ou seja, de 80 mil litros, a usina que tiver mais terá 10%, que significa 8 mil litros de leite. Para essa usina, o produtor rural só poderá vender 0,5%. Quer dizer, 400 litros. Se ele produz 5 mil litros, ele vai fazer o que com o restante? Vai jogar fora? Se tiver que fazer isso, será desestimulado e naturalmente vai querer sair do programa. E o governo, certamente, terá dificuldade depois em adquirir o produto de um lado e do outro.

Mas já sinalizaram quanto à busca por um diagnóstico mais real quanto a capacidade de oferta?

Na semana passada, houve uma reunião com o diretor da Emater, e ele se propôs a convocar os pronafianos para verificar os quantitativos e quanto de fato poderiam oferecer. Também para saber se existe mesmo essa quantidade toda de forma a tranquilizar o governo.

O criador está mais endividado? E está mais difícil negociar essas dívidas?

As dívidas do setor primário junto às instituições financeiras tornaram-se impagáveis. O agropecuarista não tem como pagar a dívida rural. Trata-se de uma situação conhecida nacionalmente e esse endividamento, se visto pelo lado nordestino, intranquiliza qualquer pessoa. Em sã consciência, ele sabe que, mais cedo ou mais tarde, vai morrer devendo porque não tem como pagar. Para haver condição de esse produtor continuar militando na agropecuária, teria de ter a união dos políticos do seu Estado, de forma que busquem uma corrente e busquem junto ao governo federal uma solução quanto ao endividamento rural. Se não for assim, não se resolve porque às vezes o Governo Federal desconhece o que se passa no restante do país, ou em um estado pobre como é o nosso. Precisa de vontade política, e união da classe política para ir buscar. Agora mesmo, os times de futebol conseguiram através da união dos presidentes de clubes e apoio da chamada “bancada da bola”, alternativas de sobrevivência. E conseguiram. E olha que eles têm o faturamento a partir dos jogos. Mas nós, que dependemos da natureza e da chuva, não temos quem fale por nós para continuarmos vivendo. Lá, eles pressionaram e o governo dividiu a dívida em 240 meses. Para nós, no entanto, é pau. Resta para nós a execução em função das dívidas que temos, e que deixaram de ser pagas.

Onde entra nossa bancada, nesse cenário?

Eles precisam, acima de tudo, se unir e procurar a ministra da Agricultura e o da Fazenda e tentar um parcelamento dessa dívida; ou até mesmo o perdão. Essa, na minha opinião, seria a grande saída. Mas não é tão fácil se conseguir um perdão de dívida na situação em que se encontra o país. Mas há outras alternativas, como um projeto elaborado pelo deputado Nélio Dias [faleceu em julho de 2007], e aprovado por unanimidade, entendendo que a dívida existente naquele determinado dia deveria ser retroagida ao valor original do crédito concedido ao agropecuarista. E sobre isso fossem aplicados juros condizentes com a atividade. Aí esse valor seria negociado. Mas para tudo isso precisa ter vontade política, ou estará tudo acabado.

E essas perdas, no campo, trouxeram muita dificuldade financeira?

Fui obrigado a buscar instituições públicas financeiras para mostrar essa dificuldade e como forma de preservar o meu conceito e forma de agir com as obrigações que eu tinha contratado com determinadas instituições. Mas essa questão do endividamento ocorre, na maioria das vezes para quem trabalha no setor primário em função de condições alheias à vontade do produtor. Mas os bancos não enxergam isso, e a situação transforma-se em uma enorme bola de neve. Perdi metade do meu rebanho — algo em torno de 500 reses mortas.

Qual a perspectiva de recuperação de rebanho, e de condição financeira diante desse cenário? E se tivermos mais um ano de seca?Jamais, numa situação como essa minha, se consegue recuperar o rebanho. Aguardar essa recuperação considerando o fator tempo, seria quase infinito. Não há outras alternativas, e tivemos elevação de custos, como energia, combustível, ração, mão de obra. Ao mesmo tempo, a dívida subindo com enormes taxas de juros. E como temos que sobreviver, o pouco de gado que restou, você vai vendendo para pagar. Há ainda o aspecto de que o leite, por exemplo, não teve uma correção que acompanhasse esse custo de produção.

TN

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