sábado, 28 de fevereiro de 2009

Escolas voltam ao ensino antigo

Apesar de ser difundida como uma proposta inovadora no combate à repetência e à evasão escolar, o Sistema de Ensino em Ciclos não é mais utilizado na rede pública de ensino do Rio Grande do Norte. Nas escolas municipais, a mudança começa a partir desta segunda-feira, 2, quando serão iniciadas as aulas do ano letivo 2009. Nas escolas estaduais, a mudança ocorreu desde 2006. Os gestores têm respaldo no Plano Nacional de Educação (PNE) para escolherem a prática-pedagógica a ser adotada na rede de ensino. Mas, para alguns especialistas, abrir mão do sistema de ciclos é um “retrocesso”.
O Sistema de Ciclos foi regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em 1996. Na prática, os oito anos do ensino fundamental são divididos em ciclos (que englobam de duas a quatro séries), a critério das escolas. Durante o período de um ciclo, o aluno é avaliado progressivamente por meio de relatórios, sem fazer as provas anuais que submeteriam à reprovação.
“Esse sistema dá chance de que o aluno tenha tempo hábil e contínuo para lidar com suas dificuldades. A avaliação anual e a reprovação quebram esse processo de desenvolvimento”, explica uma das coordenadoras do Instituto de Desenvolvimento em Educação (IDE), a pedagoga Cláudia Santa Rosa.
O problema é que, muitas vezes, esse acompanhamento do aluno, previsto no sistema de ciclos, não acontece a contento por falta de preparo dos profissionais. No fim das contas, o aluno vai apenas acumulando os prejuízos ao longo dos cinco anos do ciclo. É aí onde está a maior “distorção” em torno dessa pedagogia de ensino.
Na opinião de Cláudia Santa Rosa, foi essa “incompreensão” que deu fim ao uso da metodologia nas escolas estaduais e, a partir desde ano, nas escolas municipais do RN. “Aqui o sistema chegou atrelado à ideia de uma aprovação automática, de que é proibido reprovar. Isso mata a beleza da proposta de ciclos”, criticou Cláudia Santa Rosa.
Mas isso parece ter ocorrido em todo o país. O censo de 2006 apontou que apenas 16,8% das escolas trabalhavam no sistema de ciclos, sendo a maioria (59%) da rede municipal, 40% da rede estadual e apenas 1,8% da rede particular. No Rio Grande do Norte, o sistema de ciclos em 2006 já era usado em apenas 258 das escolas (7,5%), quase todas da rede municipal. Os dados foram informados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP).
A secretária-adjunta pedagógica de Secretaria Municipal de Educação, Cristina Leandro, admitiu que não foi feito um estudo do sistema de ciclos antes da mudança para o sistema antigo (seriado, com aprovação e/ou reprovação anual do aluno), e “preferiu” não dar opiniões pessoais.
Segundo ela, a resolução determinando o uso do sistema seriado em toda a rede (com a extensão até o 9º ano), foi suficientemente respaldada pelos rendimentos do município no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), abaixo da média nacional e ocupando o 21º lugar no ranking estadual.
Outro ranking preocupante foi divulgado pelo movimento “Todos pela Educação”, em sua página na internet. Com base em um cruzamento de informações da Prova Brasil 2005 e 2007, foi medido o índice de aprendizado dos alunos que estão na 4ª série do ensino fundamental. Dentre as capitais, Natal ficou em último lugar, com apenas 12,2% dos alunos com aprendizado satisfatório em português. Já em matemática, apenas 9,4% aprenderam o conteúdo satisfatoriamente, deixando Natal em penúltimo lugar no ranking das capitais.

Português e Matemática serão priorizados


Com base nas estatísticas desanimadoras, a secretária-adjunta pedagógica Cristina Leandro assegurou que Secretaria Municipal de Educação vai priorizar o ensino de português e matemática. “Queremos que todos os alunos cheguem aos oito anos sabendo ler e fazer os cálculos básicos. Isso é uma meta prevista pelo Ministério da Educação e que, com certeza, vai melhorar nosso Ideb”, justificou.
O detalhe é que para atingir esse “foco” no processo de ensino aprendizado, a Secretaria Municipal vai continuar considerando a proposta de um “ciclo de alfabetização”, do 1ª ao 3º ano do ensino fundamental – mesmo assumindo que trabalha com o tradicional sistema seriado. Na prática, permanece a proposta pedagógica do ciclo (reduzindo do 1º ao 5º para o 1º ao 3º ano), mas muda o sistema de avaliação: que volta a ser anual e com possibilidade de reprovação.
“Nesses três anos iniciais é indispensável uma educação continuada porque é o período necessário para adquirir competências básicas da formação inicial”, justificou a secretária-adjunta pedagógica de Secretaria Municipal de Educação, Cristina Leandro.
Outra mudança é a criação de turmas de “correção de fluxo”, para que os alunos que estão fora da faixa etária, ou se evadiram, possam ter um acompanhamento “especial” para conseguir voltar à sua turma de origem. “Estamos fazendo o mapeamento e diagnóstico das demandas para organizar as turmas”, explicou Cristina Leandro.

Modelo seriado tem dificuldades


Desde 2006, o estado saiu do sistema de ciclos para o sistema seriado: composto do 1º ao 9º ano do ensino fundamental, e da 1ª a 3ª série do ensino médio. Segundo a coordenadora do desenvolvimento escolar da Secretaria Estadual de Educação, Lúcia Souza, a maior vantagem do sistema de ciclos era o fato de não reprovar. “A reprovação priva o aluno da continuidade. A escola precisa oferecer alternativas para que este aluno possa repor as perdas e alcance a aprovação”, justificou Lúcia de Souza.
No entanto, ela assegura que essa “continuidade” também pode ser oferecida com atividades alternativas no sistema seriado. “O sucesso do ensino-aprendizagem não depende de como você organiza (ciclo, seriado, ou outras alternativas). O que importa é a metodologia usada para sistematizar a concepção político-pedagógica”, justificou a coordenadora do desenvolvimento escolar. Ela reconhece, entretanto, que os resultados ainda são muito insignificantes.
Para colocar essa idéia em prática é preciso professores preparados para assumirem novas perspectivas de educação. E nesse sentido, Lúcia Souza reconhece a responsabilidade da secretaria no processo de formação, mas não dispensa críticas às universidades que, segundo ela, não tem formado profissionais com esse perfil. “É um problema conjuntural. Para ter uma metodologia consolidada que valorize a pesquisa, o saber compartilhado, é preciso mudança na instituição formadora”, opina.

Escola adota experiência de sucesso


Apesar do Estado “abrir mão” do sistema de ciclos desde 2006, algumas escolas da rede ainda mantêm o “princípio” dessa prática-pedagógica. É o caso da Escola Estadual Hegésippo Reis, localizada no bairro de Nova Descoberta, em Natal, que adotou o Projeto Político Pedagógico “Casa de Saberes”. O projeto propõe a ausência das séries tradicionais e não impõe ano, nem turma. “Se não há reprovação, considero que estamos trabalhando no sistema de ciclos”, avaliou a coordenadora pedagógica Cláudia Santa Rosa.
Com vasta experiência na área educacional, e quase 20 anos de atuação na rede estadual de ensino, Cláudia não hesita: “Interessa se os meninos estão realmente aprendendo”. E os resultados foram apontados no Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB) 2007: a escola obteve índice 4,0 nos anos iniciais do ensino fundamental, acima da média das escolas do RN (3,0).
Na prática, os alunos são organizados em grupos, com 16 educandos, que se revezam em oficinas de projetos, escrita, leitura e números. Além disso, há um trabalho conjunto de gestão compartilhada da escola e participação dos pais no processo educacional.“Reconheço que o Estado e o Município precisam oferecer condições para que as propostas sejam colocadas em prática, mas acredito que os gestores das escolas precisam ousar mais, ter atitude”, ressaltou Cláudia Santa Rosa. Segundo ela, essa autonomia é assegurada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, já que existem apenas parâmetros curriculares, os projetos-pedagógicos são organizados pelas escolas.

Gabriela Raulino

Da Tribuna do Norte



Eu sou contra a reprovação, mas também contra os ciclos. A reprovação não ajuda a melhorar o desempenho e a integração das crianças na escola; ao contrário, ela atua como um mecanismo para eliminar os que tem mais dificuldades de aprender, e que acabam abandonando a escola depois de várias repetências - normalmente os mais pobres. Mas será que, eliminando a reprovação, não existiria a idéia de que ninguém precisa aprender e ser avaliado, e que tanto faz se esforçar quanto não se esforçar? É por isto que eu sou contra o sistema de ciclos. É necessário um trabalho importante e sistemático não só de preparação dos professores, mas também de sistemas de apoio e materiais pedagógicos que eles devem utilizar para obter os resultados que se espera das escolas.

Ozamir Lima

0 comentários:

Blog do Prof. Ozamir Lima - Designer: Segundo Freitas