sábado, 2 de novembro de 2013

Biografias e direito à privacidade

Ivan Maciel de Andrade - Advogado

Há muita gente que gostaria de ter a sua biografia feita por um grande escritor. É uma prova, no mínimo, de que teve uma vida que interessa à comunidade. Mas se não aparecer ninguém de renome para assumir o projeto da biografia? Muito simples, o próprio biografado pode encomendar a tarefa a algum jornalista temporariamente ocioso por um preço, óbvio, que não seja tão escorchante. Resta-lhe a gloriosa satisfação de distribuí-la, depois de impressa, entre parentes e amigos (se for o caso, até entre eleitores). Pode ainda desfrutar de um prazer mais requintado, embora solitário: ler a sua biografia, em momentos de descontração do corpo e do espírito, para ter certeza de quem realmente é, de seus feitos, de seus méritos, de suas virtudes e de suas pequenas fraquezas, colocadas na biografia intencionalmente para humanizá-lo. Não me digam que o fato de ser biografado não sensibiliza o indivíduo mais inclinado à misantropia, mais avesso a lances promocionais. O biografado raciocina da seguinte forma: a biografia é apenas o seu retrato – físico, espiritual e social – em palavras. E afinal ninguém pode ser censurado pelo fato de ter saído bem – ainda que para inveja e desespero de muitos – numa simples fotografia (pouco importando que tenha passado por sofisticados processos para o indispensável aperfeiçoamento da imagem).

Por outro lado, a atividade do biógrafo situa-se num ponto de encontro entre a narração e o documentário histórico. As melhores biografias assumem o status de verdadeiras e até mesmo valiosas obras literárias e historiográficas.  Ninguém pode deixar de reconhecer que a elaboração de uma interessante e bem escrita biografia exige excepcionais aptidões literárias. De minha parte, tenho especial inclinação pela leitura de biografias, tanto para me informar sobre o biografado e o ambiente em que ele viveu, como em razão da qualidade artística da obra. Pois sem valor estético a biografia se torna insípida, medíocre, perde grande parte da motivação que justifica a leitura.


O que dizer do pretenso conflito de interesses que estaria configurado entre a garantia constitucional do art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal, que assegura a liberdade de expressão, sem “censura ou licença”, das atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação e o direito à privacidade consagrado nos arts. 20 e 21 do Código Civil? Tudo indica que o Congresso Nacional dentro de pouco tempo eliminará a controvérsia autorizando expressamente a publicação de biografias “não autorizadas”. Seus autores devem responder por crimes de injúria, difamação ou calúnia se ficar provado – mediante contraditório e ampla defesa, embora em processo de rito sumário – que de fato os cometeram. Condicionar a publicação de biografias de pessoas que têm vida pública (artistas, políticos etc.) a uma arbitrária autorização dos biografados ou familiares é um desserviço à história e à cultura do nosso país. E o veto dos biografados ou familiares representa um ato de obscurantismo, pois sonega informações ao julgamento da opinião pública. Além de um desapreço ao trabalho intelectual dos biógrafos, que exige muitos anos de árduas pesquisas.

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